"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O mundo em 1000 a.C.

Pintura de estilo olmeca de Juxtlahuaca.


[...] o vale do Indo [...] abrigou uma civilização considerada antiga já no terceiro milênio a.C. Infelizmente, grande parte da evidência física dessa civilização foi destruída por inundações. Sua linguagem escrita não foi decifrada e grande quantidade dela foi realizada em materiais perecíveis como folhas de palmeira, deixando pouco a ser decifrado. A agricultura se disseminara por essa região a partir do Crescente Fértil [...]. Como o Nilo, o Indo tinha cheias anuais, levando um rico solo aluvial a uma ampla área de cultivo de trigo, cevada, arroz e algodão. Gado zebu, búfalos, ovelhas, cabras, porcos, elefantes e camelos foram domesticados.

Por volta de 2500 a.C., esse sistema combinado de agricultura e pecuária sustentava uma população de cerca de 5 milhões de pessoas , distribuída por uma vasta área. [...] Ela abrigava duas grandes cidades de tijolos vermelhos - Harappa e Mohenjo-Daro - cujos confortos não fariam feio diante das cidades mais desenvolvidas da Mesopotâmia. Elas tinham ruas amplas, ordenadas em padrão de grade; belas casas com pátio central e poço individual; banhos públicos; e sistemas de esgoto sem igual em lugar nenhum. As casas eram construídas com tijolos de lama, mas os encanamentos e prédios públicos, com tijolos de alta qualidade, queimados em forno. [...] Mas a partir de 1900 a.C. essa civilização entrou em declínio, e suas cidades foram abandonadas.As inundações sem dúvida foram parcialmente culpadas. Algumas escavações em Harappa exigiram a remoção de uma camada de dez metros de lama aluvial. [...] 

Nosso conhecimento da antiga civilização chinesa é igualmente fragmentado [...]. Os mais antigos exemplares remanescentes de escrita chinesa não remontam a mais de 1500 a.C., aproximadamente. [...]. 

A China ficava bem distante do oeste da Ásia e do Mediterrâneo. Mas não havia barreira insuperável ao norte das montanhas tibetanas, e contatos comerciais - através de regiões intermediárias - existiram desde antiga data. Mais importante ainda era o comércio transoceânico nas costas do oceano Índico. As tecnologias que a China importou de povos mais a oeste incluíam o cultivo de trigo e cevada, a manufatura do bronze, a ideia do carro de guerra e aquelas que foram as supremas invenções do povo das estepes, o cavalo como montaria e o estribo. Em troca, a Europa e o oeste da Ásia obtiveram tantos benefícios que se torna difícil listar. Porcelana (primeiro século d.C.), pólvora (nono século d.C.) e a bússola magnética (por volta de 900 d.C.) são apenas algumas invenções chinesas que por fim abriram caminho ao longo dessas duas grandes artérias comerciais: a trilha costeira contornando o oceano Índico e a Rota da Seda através da Ásia Central.

[...]

[...] Em 1000 a.C., o que chamamos de "China" era o que havia sido e permaneceria sendo por centenas de anos: um agrupamento de estados feudais independentes, cada um com o próprio exército, e todos sempre dispostos a ir para a guerra contra os demais.

Do outro lado do mar, no Japão, nenhuma civilização comparável surgira. Lá, havia uma cultura de caça, pesca e coleta de alimento estabelecida ainda na Idade da Pedra. [...]

Bem longe, ao sul, igualmente alheios ao contato com o mundo exterior e espalhados esparsamente pelo continente inóspito, os povos nativos da Austrália praticavam um estilo de vida móvel de caça e coleta que pouco mudara em relação aos seus ancestrais de 3 mil anos antes.

A norte e a leste da Austrália, centenas de ilhas que em 4000 a.C. ainda não haviam testemunhado nenhuma pegada humana agora abrigavam povoamentos permanentes. Durante um período de 2 mil anos, começando por volta de 3000 a.C., o oceano Pacífico fora cenário de uma assombrosa sucessão de viagens feitas pelos ancestrais dos povos que hoje classificamos como micronésios e polinésios. [...] Em 1000 a.C., suas aldeias de pescadores e agricultores cobriam quase a totalidade do Pacífico oeste [...].

No outro lado do Pacífico, os descendentes dos colonizadores originais das Américas haviam prosperado e se multiplicado. A maioria deles ainda seguia um estilo de vida caçador-coletor [...]. A região possuía [...] diversas plantas silvestres comestíveis [...], incluindo milho, abóbora e feijão. [...] 


A cultura mais notável da América Central em 1000 a.C. foi a dos olmecas, que viveram na costa meridional do golfo do México. [...] Como outras sociedades agrícolas maduras, esse povo começou a realizar comércio de longa distância. Os mercadores que o operavam - negociavam até mesmo bens preciosos como jade, obsidiana e sementes de cacau - viviam em vilas. [...] elas abrigavam impressionantes centros cerimoniais e templos, adornados com magníficas esculturas de pedra. A grande era da cultura olmeca durou quinhentos anos, de 1300 a.C. a mais ou menos 800 a.C., mas sua arte e religião, incluindo o culto ao jaguar, e a construção de pirâmides exerceram uma poderosa influência em civilizações posteriores, até nos astecas do século XVI.


Três mil quilômetros ao sul, no Peru dos dias atuais, outro sistema de agricultura altamente individualizado se desenvolvera no altiplano Andino, onde a natureza reunira um rico conjunto de plantas e animais muito fáceis de domesticar. [...] As plantas utilizadas eram um cereal - a quinoa - e a batata, que viria a se tornar um dos cultivos para fins alimentícios mais importantes do mundo. Seus animais incluíam a cobaia e três membros da família do camelo, a alpaca, o guanaco e a lhama, que forneciam leite, carne e lã e desempenhavam um papel vital como animais de carga.


AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 79-84.

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