"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Vida privada em Roma

Os textos literários e os registros arqueológicos, notadamente os descobertos em Pompeia e Herculano*, revelam aspectos interessantes e peculiares da cultura popular e da vida cotidiana da Roma antiga.

Casal nu na cama. Afresco na Casa del ristorante, Pompeia, ca. 62-79 AD. Artistas desconhecidos.

A ideia, tradicionalmente aceita, de que a cultura romana clássica pode ser considerada fundamento da cultura ocidental atual não se sustentaria se considerados os aspectos mais expressivos da vida privada. Desse ponto de vista, a sociedade romana era tão diferente das atuais sociedades ocidentais quanto o foram as sociedades ameríndias ou as extremo orientais.

O conhecimento da vida privada romana conduz à percepção de contrastes, que levam mais à descoberta do outro do que ao encontro das nossas origens. Um exemplo bem significativo é a organização da família.

Hermafrodito. Afresco, Herculano, entre 1 e 50 AD. Artistas desconhecidos.

O chefe da família - o pai - tinha autoridade absoluta. A criança, para ser integrada à família, teria que, ao nascer, ser erguida pelo pai. Com esse gesto, ele a reconhecia como filho.

A contracepção, o aborto, o enjeitamento de crianças de nascimento livre e o infanticídio do filho de uma escrava eram práticas usuais e admitidas legalmente.

A adoção era prática comum como forma de legitimação e da formação da família. O nome da família, transmitido à pessoa adotada, era considerado mais importante do que a "voz do sangue".

Ao ser aceita pelo pai e, portanto, integrar a família, a criança era entregue aos cuidados de uma nutriz que, em geral, a acompanhava pela vida toda, sendo, também encarregada de sua educação. Os meninos, na puberdade, passavam a ser educados também por um "pedagogo". A nutriz e o pedagogo tinham muito mais contato com as crianças e os jovens do que os pais, com os quais raramente se encontravam.

Aos 12 anos as meninas eram consideradas aptas ao casamento, a partir da qual elas passavam a levar uma vida reclusa no interior das casas. Aos 14 anos eram consideradas adultas, chamadas de "senhoras" e deveriam se mostrar pudicas e reservadas para serem estimáveis.

Para os meninos não havia uma idade estabelecida para a maioridade. Eles passavam a integrar o mundo dos adultos a partir do momento em que o pai ou o tutor os considerasse preparados.

Após os 12 anos, os que pertenciam às "boas famílias" - as abastadas - continuavam os estudos e formavam grupos de jovens, aos quais, em nome do "calor da juventude", era permitido praticamente tudo: frequentar prostitutas, tomar amantes, escolher favoritos (a homossexualidade entre os jovens ou entre um adulto e um jovem - pederastia - era prática recorrente e considerada natural).

A juventude encerrava-se com o casamento, mas os filhos, mesmo casados e adultos, continuavam sob a autoridade paterna até a morte do pai.

* No ano 79, uma erupção do Vesúvio soterrou as duas cidades localizadas no sopé do vulcão. No século XVIII, as escavações arqueológicas trouxeram à luz o que as cinzas haviam encoberto ao longo dos séculos. Os vestígios encontrados revelam a vida urbana como se as pessoas e objetos tivessem sido petrificados em plena ação, tais como estavam no momento da catástrofe. Por isso eles são bastante reveladores do dia-a-dia e das especificidades da vida urbana nos domínios de Roma.

NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 147-48.

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