"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Uma greve no Egito antigo

Israel no Egito - detalhe, Edward Poynter

Os trabalhadores dos templos eram relativamente privilegiados: eram vestidos e alimentados pelo governo e, graças ao seu número e à união que sempre mantiveram, podiam recorrer à greve quando suas reivindicações não eram atendidas.

O serviço de fornecimento de víveres aos trabalhadores era prejudicado pela preguiça e desleixo dos escribas. Por isso, as queixas eram frequentes; eles queriam apelar ao Governador, e os escribas, temerosos, lhes forneceram mantimentos para um dia, como vemos no documento a seguir:

"O escriba da contabilidade e os sacerdotes da necrópole de Tebas ouviram as reclamações dos trabalhadores [...]
- Nós estamos sem roupas, nós estamos sem medicamentos, nós estamos sem peixes [...] Tendo mandado um representante ao Faraó, nosso Senhor, para expor a situação, nós nos dirigiremos ao Governador, nosso Superior. Que nos dêem os meios para que possamos viver.
Eles lhes forneceram os víveres para aquele dia."

Como suas exigências não foram atendidas, os trabalhadores forçaram os portões da necrópole, sendo contidos pela guarda.

"Por ordem do Governador, o comandante da guarda parlamenta com os trabalhadores:
- Não fui eu que impedi vocês de chegar até os víveres [...] Não fui eu que coloquei os policiais nos portões [...] Abram os celeiros. Eu vos dou tudo aquilo que lá encontrarem."

O Governador, através de seu porta-voz, declarou-se inocente em relação aos abusos cometidos, autorizando os trabalhadores a pegarem nos celeiros tudo o que encontrassem. O escriba, no entanto, procurou reduzir a vitória dos trabalhadores, dizendo:

" - Eu vos dou a metade dos víveres e eu mesmo farei a partilha."

Obviamente, a distribuição foi insuficiente. Um líder dos trabalhadores, então, incitou seus companheiros para que atacassem o porto, onde um carregamento de trigo estava sendo desembarcado, assumindo a responsabilidade de avisar o Governador.

"O escriba, temeroso da invasão, distribuiu todo o trigo que estava no porto. Porém, como encontrasse, mais tarde um portão arrombado, advertiu os trabalhadores:
- Por que vocês forçaram a entrada do porto? Eu vos dei todo o trigo assim que o pediram. Partam logo, senão eu vos considerarei culpados por todo objeto que desaparecer." (Extraído do Papiro Hierático existente no Museu de Turim.)

AQUINO, Rubim Santos Leão de [et alli]. Fazendo a História: da Pré-história ao Mundo Feudal. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989.

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