"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 14 de abril de 2016

As cidades europeias na Idade Moderna

Uma cena de mercado italiano com ruínas de um templo romano, Jan van Buken

Entre o século XVI e o século XVIII, tomou forma na Europa um novo complexo de traços culturais. Tanto a forma quanto o conteúdo da vida urbana, em consequência, foram radicalmente alterados. O novo padrão de existência brotava de uma nova economia, a do capitalismo mercantilista; de uma nova estrutura política, principalmente a do despotismo ou da oligarquia centralizada, habitualmente personificada num Estado nacional; de uma nova forma ideológica, que derivava da física mecanicista, cujos postulados fundamentais haviam sido lançados muito tempo antes, no exército e no mosteiro.

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A tendência fundamental dessa nova ordem só veio a se tornar inteiramente visível no século XVII: então, todos os aspectos da vida afastaram-se do pólo medieval e se reuniram sob um novo signo, o signo do príncipe. A obra de Maquiavel, O príncipe, proporciona mais que uma pista, tanto para a política quanto para o plano da nova cidade, e Descartes, vindo mais tarde, reinterpretará o mundo da ciência em termos da ordem unificada da cidade barroca. No século XVII, as instruções de precursores como Alberti foram finalmente realizadas no estilo barroco de vida, no planejamento barroco, no jardim barroco e na cidade barroca.

[...]

Os símbolos desse novo movimento são a rua reta, a ininterrupta linha horizontal de tetos, o arco redondo e a repetição de elementos uniformes, cornijas, lintéis, janelas e colunas na fachada. Alberti sugeriu que as ruas "torna-se-ão muito mais nobres se as portas forem construídas todas segundo o mesmo modelo, e as casas de cada lado ficarem em linha uniforme, não sendo qualquer delas mais alta que as outras". Essa clareza e simplicidade foram engrandecidas pela fachada bidimensional e pela abordagem frontal; mas a nova ordem, enquanto ainda vivia, jamais obedecida com qualquer coerência absoluta, como a que foi introduzida pelo século XVII, com suas rigorosas regras de composição, suas intermináveis avenidas e suas regulamentações legais uniformes. Na verdade, justamente nessa concessão, nessa fuga à arregimentação, é que os novos construtores renascentistas provam sua dívida para com a ordem medieval. A altura da nova biblioteca de Sansovino, na Piazza San Marco, não é exatamente a mesma do Palácio Ducal. Assim também a altura das edificações ao redor da Piazza Santíssima Annunziatta, em Florença, é apenas aproximadamente a mesma. Por mais rigorosa que seja a ordem da rua renascentista, não chega a ponto de ser rígida e opressiva.

MUNFORD, Lewis. A estrutura do poder barroco. In: A Cidade na história. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. p. 445-449.

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