"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 18 de março de 2016

Revolução de 1817 em Pernambuco

Bênção das bandeiras da Revolução de 1817, Antônio Parreiras

Os acontecimentos de 1817 em Pernambuco podem ser considerados como uma síntese exemplar do que ocorria em todo o Brasil na época. A permanência da Corte portuguesa no Brasil aprofundou o conflito de interesses entre colônia e metrópole. D. João manteve uma atitude ambígua, procurando equilibrar-se entre esses dois pólos, sempre sem ferir os acordos feitos com a Inglaterra.

O Nordeste era uma região fundamental para a economia agroexportadora, muito sensível às flutuações dos preços do açúcar e do algodão nos mercados europeus, então em baixa. A população era duramente onerada pelos impostos criados por D. João para manter funcionando a burocracia e o exército.

A situação se agravou no ano de 1816. A seca desse ano foi particularmente acentuada, prejudicando a colheita dos produtos exportáveis e principalmente a alimentação da população local.

O comércio local continuava sendo monopolizado pelos portugueses, de quem dependiam os grandes proprietários para a exportação de seus produtos, para o provimento de mão-de-obra escrava e para a importação de manufaturados. O endividamento progressivo da aristocracia da terra despertava-lhe a consciência de que não bastava lutar contra este ou aquele grupo de negociantes lusitanos: o problema fundamental era atingir o centro do poder e ampliar os benefícios do liberalismo, inaugurado em 1808.

Para a população livre não-proprietária, o quadro era desolador: o monopólio do comércio significava carestia crônica, agravada pela seca dos anos de 1816 e 1817 e pelo aumento dos impostos.

Assim sendo, essas duas camadas integraram o bloco de forças que em 1817 tomou o poder em Recife. Entre proprietários de terra e homens livres pobres, devemos acrescentar uma grande participação do clero, que além de identificar-se com os primeiros (a Igreja era proprietária de grandes extensões de terra), também foi responsável pela divulgação das "novas ideias" (pensamento iluminista), principalmente no Seminário de Olinda ou através do Areópago de Itambé, sociedade secreta que não admitia europeus como seus membros.

A animosidade entre portugueses e colonos não era novidade na região. Os historiadores são unânimes em destacar o aumento do sentimento antilusitano e a multiplicação de sociedades secretas e lojas maçônicas, centros de divulgação do pensamento iluminista e anticolonial. A independência das Treze Colônias inglesas da América do Norte repercutiu fortemente entre os pernambucanos. Discutiam-se nas ruas as constituições da França revolucionária.

As reuniões da liderança revolucionária não passaram despercebidas ao governador Caetano Pinto Miranda Montenegro, que ordenou a prisão dos revoltosos em 6 de março de 1817.

Os líderes civis do movimento não ofereceram resistência às autoridades militares portuguesas. No entanto, quando essas autoridades tentaram prender os líderes militares brasileiros do movimento, encontraram tenaz resistência. Essa resistência incentivou o levante revolucionário.

Na Fortaleza das Cinco Pontas, o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, resistiu à voz de prisão proferida pelo brigadeiro português Barbosa de Castro, que morreu durante o conflito. Os revolucionários saíram às ruas, sob a liderança do mulato Pedro Pedroso, e garantiram a vitória de seu movimento. O governador Montenegro fugiu para o Rio de Janeiro.

Inicialmente se organizou um governo provisório, considerado o primeiro governo genuinamente brasileiro. [...] O novo governo era assessorado por um secretário [...] e por um Conselho de Estado, que reunia a elite local.

O objetivo do governo provisório era implantar a República. Seus poderes eram delimitados por uma Lei Orgânica, que deveria vigorar até que uma assembleia elaborasse a Constituição. A Lei Orgânica, de inspiração liberal-iluminista, determinava a liberdade de consciência, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa, embora se adotasse o catolicismo como religião oficial.

Tomaram-se medidas para a difusão do movimento: a revolução triunfou na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Os emissários enviados ao Ceará e à Bahia não tiveram a mesma sorte. Procurou-se também apoio no estrangeiro, através de representantes que embarcaram para os Estados Unidos, Argentina e Inglaterra. Enquanto isso, o governo de D. João organizava a repressão na Bahia e no Rio de Janeiro. Nesse momento, revelou-se a fraqueza maior dos revolucionários de 1817: suas divisões internas, principalmente no que dizia respeito aos escravos. Os líderes mais radicais pregavam a mobilização e a participação dos escravos na luta contra os portugueses, apontando para uma perspectiva abolicionista, mas os proprietários de terra, muito influentes no movimento, não admitiam nenhuma atitude nessa direção, demonstrando que seu liberalismo terminava exatamente onde começava o questionamento do trabalho escravo.

A eficiente repressão portuguesa obrigou os revolucionários a se renderem. Recife foi retomada no dia 19 de maio de 1817. As punições foram rigorosas: pena de morte para os principais líderes e prisão para 117 pessoas. Muitos, como frei Caneca, voltariam à cena política logo após 1822, lutando pelo ideário liberal-iluminista.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza; CARVALHO, Yone de. História do mundo ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 275-6.

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