"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Os índios da América do Norte

Os Natchez, Eugène Delacroix

[...] Os índios estavam divididos. Havia 56 grupos linguísticos por vezes com numerosos dialetos [...]. Sioux, Algonquinos são nomes que recobrem uma multidão de tribos, falando línguas aparentadas, mas de gêneros de vida às vezes muito diferentes e que, amiúde, moviam guerras atrozes e prolongadas umas contra as outras.

Havia confederações, como a de Powhatan, na atual Virgínia, ou a dos Creeks, que se estendiam desde o baixo Mississípi até a Flórida oriental. [...] A mais poderosa era a liga dos Iroqueses. Um conselho de 50 sachens, eleitos pelas tribos, tomava as decisões. Exigia-se a unanimidade e cada tribo dispunha de um voto. Dois chefes de guerra de igual categoria comandavam os guerreiros. O Conselho não tinha possibilidade alguma de impor-se às tribos. [...]


Índios Tchaktas matachez, 1732. Alexandre de Batz

A unidade é a tribo. Esta possui um Conselho composto de chefes de clãs ou de chefes de bandos, mas não de poder executivo de suas decisões. A tribo é, efetivamente, uma espécie de federação, federação de clãs a leste, de bandos a oeste, em que os indivíduos gozam de muita independência. Cada clã pode partir sozinho para a guerra, cada guerreiro pode recrutar companheiros e lançar-se à uma expedição, mesmo se a tribo concluiu um tratado de paz. O estado de guerra, assim, é perpétuo [...].

[...] Na Califórnia e nos planaltos vizinhos viviam índios caçadores e coletores de frutos e raízes, munidos de arcos e flechas [...] e que conheciam a arte de fazer fogo pela rotação rápida de um pedaço de madeira dura num pedaço de madeira mole. Ao norte, nos planaltos e nas montanhas do que é atualmente o Oregon, as tribos, embora não negligenciassem a caça e a coleta, viviam principalmente da pesca do salmão.


Caça ao búfalo, Lavene Nelson Black

Nas planícies a oeste do Mississípi, viviam os caçadores, entre os quais predominavam os Sioux. Era particularmente visado o bisonte, A carne do bisonte, cortada em nacos, seca ao sol e misturada à gordura, fornecia o pemicã. Os ossos e os chifres eram a matéria-prima para as armas e instrumentos. Do couro, os índios retiravam seus utensílios domésticos, suas vestes, suas tendas cônicas, muito pontudas, montadas sobre uma armação de longas varas. As tribos deslocavam-se continuamente, segundo os rebanhos, mas cada uma permanecia sempre num determinado território de percurso.


Vista de Chimney Rock com vila Sioux em primeiro plano, Albert Bierstad

Na orla das planícies, na direção do Mississípi e dos grandes lagos, nos confins da floresta, os habitantes combinavam a caça ao bisonte com a cultura do milho. Viviam nas tendas e deslocavam-se nas estações de caça, na primavera e no outono. No inverno para se abrigarem, no verão para a colheita do milho, regressavam às suas aldeias permanentes.

[...]

No mar das florestas que cobria a parte oriental da América do Norte, a cultura do milho, proveniente da América Central, desempenhava um papel essencial. As aldeias eram estabelecimentos permanentes, cercados de paliçadas, constituídas de casas de madeira. Cada aldeia tinha seus campos cultivados. Os frutos, nozes, ameixas [...], eram apreciáveis complementos alimentares. [...] O cobre do Lago Superior começa a ser empregado, mas modelado tal como sai da mina, com o auxílio de martelo de pedra. [...] Regularmente, em épocas determinadas, os homens partiam para as grandes caçadas. As mulheres acompanhavam-nos, levando nas costas os utensílios de cozinha e o material das tendas. O gamo e o cabrito montês forneciam a carne e o couro para o vestuário e as mocassinas. Os animais de pele proporcionavam os trajes de inverno. Cada tribo tinha o território de caça indispensável à sua vida e que constituía o prêmio de guerras ferozes. [...]


Índio com pote de cerâmica, ca. 1915. Gerald Cassidy

Todos estes índios encontravam-se ainda no primeiro estágio do pensamento humano. Para eles o mundo era uma imensa magia, onde tudo, em princípio, podia agir sobre tudo, mediante semelhanças e contatos misteriosos. Havia comunhão, participação de todos os objetos em forças misteriosas, esparsas no universo, imperceptíveis aos sentidos e, não obstante, reais. [...] Antes de caçar, os Sioux entregavam-se à "dança do urso". Os dançarinos imitavam exatamente o urso, dirigiam-se através de cânticos ao espírito do urso, para torná-lo favorável ao seu empreendimento. Os caçadores jejuavam antes de partir, abstinham-se de relações sexuais, purificavam-se, ornavam-se de pinturas especiais, invocavam os manes dos animais mortos nas caçadas precedentes. Assim, pensavam criar entre eles e os espíritos dos ursos um laço mítico, devendo os animais, por conseguinte, apresentar-se e oferecer-se aos golpes. Os índios consideravam sua alimentação como um presente voluntário dos espíritos dos animais e vegetais. Noutros casos os dançarinos representavam a morte do animal acuado. Revestindo a pele e a máscara do animal, o dançarino fatigado era ferido com uma flecha sem ponta e tombava, imitando a presa. Então, era retirado do círculo. Sobre seu corpo, um caçador representava o corte e o trinchamento. [...] Tais práticas eram consideradas mais importantes do que a perseguição efetiva. Após a caçada, atos rituais deviam impedir a vingança do animal e do espírito de sua espécie. [...]

MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 77-80. [História geral das civilizações, v. 10]

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