"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 29 de agosto de 2015

A era do absolutismo: A ascensão da França nos séculos XVI e XVII

Rei Luís XIV, Nicolas-René Jollain

No século XVI a França foi cenário de violentas lutas religiosas entre católicos e protestantes calvinistas - chamados huguenotes -, as quais culminaram com o massacre da Noite de São Bartolomeu (1572) quando milhares de huguenotes foram eliminados, por ordem de Catarina de Médicis, regente do trono francês. A paz religiosa só pôde estabelecer-se no reinado de Henrique IV que, através do Edito de Nantes (1598), concedeu liberdade de culto aos protestantes [...].

O Edito de Nantes favoreceu o crescente prestígio político da França, a renovação de seu comércio e de sua indústria, responsável por um grande desenvolvimento econômico nos séculos seguintes.

O poder da França acentuou-se após a última das guerras de religião, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).

Esta guerra desenrolou-se na Alemanha, dividida em vários reinos e principados, uns protestantes outros católicos. Começando como uma luta religiosa terminou, entretanto, como conflito armado pela hegemonia na Europa; envolveu diversas nações, mas foi particularmente uma luta na qual a França se empenhou para cercear o poderio da casa real dos Habsburgo, herdeira do império de Carlos V. O conflito irrompeu na Boêmia quando o rei Fernando II de Habsburgo, católico, tentou impor sua religião em um território onde havia agrupamentos de protestantes. Os príncipes alemães católicos entraram em choque com os príncipes alemães protestantes; estes foram derrotados e a dominação dos Habsburgo afirmou-se na Boêmia. No entanto, o conflito alastrou-se gradativamente sobre boa parte da Europa provocando a guerra entre nações protestantes - Dinamarca, Suécia, Províncias Unidas - e nações católicas em poder dos Habsburgo - Áustria e Espanha. A França, embora católica, entrou na guerra ao lado das nações protestantes para refrear o prestígio dos Habsburgo. Assim, o longo conflito, durante o qual se alternaram vitórias e derrotas de ambos os lados, terminou com a intervenção decisiva da França que forçou a Áustria e a Espanha a renderem-se. Foram assinadas a Paz de Mestfália (1648), entre França e Áustria, e mais tarde (1659) a Paz dos Pirineus, entre França e Espanha.

A Paz de Westfália assinalou o fim das guerras de religião. assegurando tolerância de fé; politicamente, acabou com o predomínio e a força dos Habsburgo. [...]

[...]

Internamente, desde o reinado de Henrique IV, a França vinha passando por importantes transformações políticas, que levaram o rei a concentrar em suas mãos todos os poderes do Estado. Contribuíram para essa centralização do poder medidas tomadas por dois ministros, o Cardeal Richilieu (na regência de Maria de Médicis e no reinado de Luís XIII) e o Cardeal Mazzarino (na regência de Ana d'Áustria e no início do reinado de Luís XIV): ambos afastaram sistematicamente nobres dos corpos administrativos, confiando-os a funcionários de origem burguesa. Tais medidas contra a aristocracia, e que não deixaram de provocar agitações sociais e guerras civis, foram ainda mais reforçadas por Luís XIV, ao assumir o trono (1661).

O monarca afastou os nobres dos cargos administrativos que ainda ocupavam, em compensação atraiu-os para a sua corte e manteve-os isentos de impostos, que eles, todavia, continuaram cobrando dos lavradores de suas terras. Os postos administrativos foram ocupados por elementos da classe burguesa, ministros e funcionários diretamente nomeados e controlados pelo rei, o qual ainda favoreceu a rica burguesia dando grande impulso à indústria (manufatureira, construção civil, naval e de armamentos) e ao comércio (importação e exportação de matérias-primas e gêneros de primeira necessidade).

Concentrando todos os poderes do Estado em suas mãos, Luís XIV passou a encarnar o próprio reino da França e tornou-se assim símbolo vivo do absolutismo, sintetizado na frase a ele atribuída: L'état c'est moi (O Estado sou eu). Luís XIV deu à França o máximo de esplendor e projeção, tanto assim que sua época passou à história como o século de Luís XIV. Mereceu o nome de rei-sol, pois sua corte foi uma das mais brilhantes e luxuosas de que temos notícia, dela recebendo homenagens como se fora um deus.

O período de projeção que a França conheceu no século XVII foi resultado de importantes iniciativas do monarca, auxiliado por homens de visão, diplomatas, chefes militares e ministros, dentre os quais destacou-se o ministro da economia e das finanças, Colbert.

Colbert desenvolveu a política do mercantilismo, doutrina econômica fundamentada na pequena importação e na grande exportação. Mas, para exportar, era necessário produzir em larga escala objetos manufaturados de alta qualidade, transportá-los por mar e encontrar no estrangeiro matérias-primas e bons mercados. Colbert, pois, regulamentou a produção de mercadorias. exigiu o emprego de mão-de-obra qualificada e especializada, modernizou os estaleiros para a construção de navios, estimulou a exploração sistemática e a expansão das colônias francesas nas Américas (Canadá, Luisiana, Antilhas). A fim de a França poder competir com as poderosas companhias das Índias, holandesa e inglesa, fundou-se a Companhia Francesa das Índias Orientais. Reorganizando sua marinha, a França passou a concorrer comercialmente com a Holanda.

[...]

A França alcançara enorme prestígio internacional, mas internamente começara a delinear-se uma situação social bastante crítica. Na cidade, a nobreza ligada à corte de Luís XIV vivia ociosa e luxuosamente, enquanto a burguesia detinha influência considerável na administração e no comércio. No campo, os nobres empobreceram cada vez mais, pois os lavradores pagavam-lhes os impostos devidos não mais em dinheiro e sim em gêneros. Assim muitos nobres viram-se obrigados a vender parte de suas terras a burgueses da cidade. A situação dos camponeses agravava-se dia a dia, devido à falta de progresso sensível nas técnicas agrícolas, aos rendimentos diminutos, às elevadas taxas, aos caprichos da natureza, fortes geadas, prolongadas secas, trazendo fome, doenças e miséria.

Além disso, tendo Luíz XIV revogado o Edito de Nantes, recomeçaram as perseguições contra os protestantes que, obrigados a abandonar a França, emigraram em grande número para o exterior, levando consigo seus haveres e sua capacidade de trabalho, o que prejudicava seriamente o país. Prejuízos maiores sobrevieram quando outras nações europeias se coligaram para refrear as ambições desmedidas de Luíz XIV. Nos últimos anos de seu reinado a França enfrentou uma coligação europeia na Guerra de Sucessão da Espanha, à qual o Tratado de Utrecht (1713) pôs fim, pondo fim também à supremacia francesa.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 195-8.

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