"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 23 de junho de 2015

A vida na corte do reino de Daomé no século XVIII

Gezo, rei do Daomé, Frederick E. Forbes

Diversos mercadores europeus que realizaram negócios nos portos da Guiné deixaram relatos detalhados de suas experiências pessoais e dos povos com que mantiveram contatos. O comerciante inglês de escravos, Robert Norris, descreveu em detalhes a magnitude da corte do rei Tegbessu, sucessor de Agadjá, e os sinais de obediência demonstrados por seus súditos, durante a visita ao Daomé em 1772:

"Preparei-me para a visita ao rei, mandando desembrulhar uma bela liteira e um órgão portátil que mandara vir de Juda (Uidá): enviei esses dois presentes ao palácio do rei [...].

[...] Ao chegar diante do rei, expliquei-lhe a maneira de utilizar a liteira, que disse ser mais cômoda que aquela espécie de padiola de que ele se servia habitualmente. Nessa altura, ele mandou chamar uma dúzia de servidores encarregados de o transportar, que se aproximaram caminhando de quatro; em obediência aos desejos do rei, entrei na liteira, ensinei-lhes como deviam proceder e eles foram experimentando, um a um. Nesta altura, o rei manifestou a vontade de passear também na liteira e deu várias voltas à corte, em meio aos gritos e aclamações dos ministros e de sua esposa. O coche era muito elegante: tinha assentos de marroquim vermelho e era forrado de seda branca. Ele ficou encantado e divertia-se muito a abrir e fechar as cortinas, que lhes pareceram uma invenção muito engenhosa; finalmente, no meio de uma grande euforia, mandou eunucos para substituir os homens que transportavam a padiola; a porta que dava para os seus aposentos foi aberta e ele mandou que o levassem até junto das suas mulheres, para que elas vissem o belo presente que acabou de receber.

[...] O rei sentou-se em meio aos gritos e aclamação do povo, debaixo da tenda, numa cadeira de braços muito bonita, coberta de veludo carmesim, e enfeitada com esculturas e dourados.

Vi desfilar uma guarda de cento e vinte homens armados de grandes mosquetes e marchando aos pares; seguiam-lhe quinze filhas do rei, muito belas, acompanhadas de cinquenta escravos; depois delas, vinham, em ordem regular, umas atrás das outras, setecentas e trinta das suas esposas, transportando provisões e licores para um festim que iria realizar-se na praça do mercado. Eram seguidas de uma escolta de oitenta mulheres armadas, batendo em tambores. Nessa altura, foi posta uma mesa onde almocei enquanto a procissão continuava a passar. Vi aparecer seis batalhões de setenta mulheres cada um, à cabeça dos quais marchava, abrigada por um guarda-sol, uma favorita: impediram-me de vê-la tapando-a com o guarda-sol e com uma espécie de grandes escudos de couro, cobertos de seda vermelha e azul. Todas aquelas mulheres divertiam o rei com suas canções e danças, à medida que passavam. Nunca esperei ver tamanha variedade e tão grande profusão de tecidos de seda, de pulseiras de prata, de joias e corais, de colares valiosos e de ricos enfeites." Fonte: NORRIS, Robert. Memoirs of the Reign of Bossa-Abadce; with an Account of a Journey to Abomey in 1772. Apud COQUERY-VIDROVICH, Catherine. A descoberta da África. Lisboa: Edições 70, 2004, p. 148. (Lugar da História)

MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Contexto, 2013. p. 75-76.

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