"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Visões da história: o Renascimento

Retrato de Fra Luca Pacioli com um aluno, Jacopo de Barbari

Texto 1
[...] Há certas tendências que parecem permear todas as manifestações da cultura renascentista, como um esforço de metodização e racionalização tanto do real quanto do campo simbólico: uma ênfase contínua nas potencialidades, nos recursos e nos limites do corpo e do espírito humanos, um sabor especial pela liberdade e pelo ato libertador. [...]

Mas o campo da divergência é também prodigiosamente rico. Diferença no espaço, entre o Quattrocento italiano antigótico e o Renascimento flamengo, todo assentado sobre o gótico. Diferenças no tempo entre, por exemplo, a produção da arte italiana dos séculos XIV, XV e XVI. Diferenças simultâneas entre homens contemporâneos e conterrâneos, como Leonardo e Michelangelo [...]. É possível considerar como unidade homogênea um movimento que incorpora tanto Giordano Bruno quanto Inácio de Loyola, Rafael quanto Hieronymus Bosch, [...] Maquiavel quanto Erasmo de Rotterdam, Erasmo quanto Lutero? [...]

Não há, portanto, uma experiência histórica renascentista, há várias. Não há um Renascimento, há múltiplos. [...] SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. São Paulo: Editora da Unicamp/Atual, 1987. p. 73. (Discutindo a história).

Paisagem com  a queda de Ícaro, Pieter Brueghel, o Velho

Texto 2
Na Idade Média, ambas as faces da consciência - aquela voltada para o mundo exterior e a outra, para o interior do próprio homem - jaziam, sonhando ou em estado de semivigília, como que envoltas por um véu comum. [...] o homem reconhecia-se a si próprio apenas como raça, povo, partido, corporação, família ou sob qualquer outra das demais formas do coletivo. Na Itália, pela primeira vez, tal véu dispersa-se ao vento; desperta ali uma contemplação e um tratamento objetivo do Estado e de todas as coisas deste mundo. Paralelamente a isso, no entanto, ergue-se também, na plenitude de seus poderes, o subjetivo: o homem torna-se um indivíduo espiritual e se reconhece como tal. BURCHARDT, Jacob Christoph. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 145.


O festim dos deuses, Giovanni Bellini

Texto 3
Embora o termo Renascimento subsista, aplicado a um momento ou a um conjunto de manifestações da cultura ocidental, existem hoje mais dúvidas quanto à sua precisão do que no século passado. A tendência atual dos historiadores orienta-se para uma desconstrução desta unidade conceitual e para a análise de suas contradições. [...]

Uma das primeiras dúvidas que surgem no estudo do Renascimento é a da cronologia. Rupturas radicais entre Idade Média e Renascimento, Renascimento e Reforma, Renascimento e Contrarreforma, Renascimento e Barroco, Renascimento e Maneirismo tendem a ser amenizadas. [...]

[...] Se o único sentido do Renascimento fosse o da aproximação do Ocidente cristão com a Antiguidade, esse período não se diferenciaria em nada da Idade Média.

A Antiguidade greco-romana nunca se ausentou do imaginário medieval. [...]

Fundamental, no entanto, é o fato de a sociedade europeia dos séculos XIV ao XVI ter sido suficientemente criativa e peculiar para não necessitar impor-se através de mitos póstumos. Ela própria gerou sua mitologia, numa interação de novidades e continuidades, mais nascimentos do que renascimentos. Michelangelo não vivia em Roma a.C. e sabia muito bem disso. QUEIROZ, Tereza Aline P. O Renascimento. São Paulo: Edusp, 1995. p. 15-16, 20. (Acadêmica, 2).

Nenhum comentário:

Postar um comentário