"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Arte e sociedade no medievo: o românico e o gótico

Opostas em vários aspectos, tanto a arte românica dos séculos XI-XII quanto a gótica dos séculos XII-XV tentavam elaborar imagens que harmonizassem as intenções dos produtores eclesiásticos com as dos consumidores laicos. [...]

No românico, as igrejas quase sempre rurais - reflexo de uma sociedade agrária - incorporaram, especialmente na escultura e na pintura, motivos caros aos camponeses. Elas eram verdadeiros "bestiários em pedra", com inúmeros animais, reais e imaginários, retratados nas colunas e paredes. Eram comuns, por exemplo, os lobisomens sempre presentes na psicologia coletiva camponesa. As figuras monstruosas, semi-humanas - como centauros e sereias vindos da mitologia clássica - funcionavam como protesto contra a ideia do homem feito à imagem de Deus [...].


Arte românica [A Anunciação, Pietro Cavallini]

É importante lembrar que para os medievos não havia arte pela arte, imagens feitas apenas pelo seu valor estético. A finalidade didática delas era essencial. No românico essa característica era muito acentuada, daí, por exemplo, as frequentes cenas do Juízo Final colocadas logo na entrada, lembrando que somente dentro da igreja [edifício religioso] e da Igreja [instituição] era possível a salvação. A arquitetura sólida, de largas paredes, grossos pilares e poucas janelas não era apenas resultado das limitações técnicas da época, mas sobretudo da necessidade de fazer das igrejas "fortalezas de Deus". Na mesma linha, o românico não tinha preocupação de retratar a realidade visível, pouco importante, e sim de revelar a essência das coisas, daí o forte simbolismo daquela arte.

Arte gótica [O beijo de Judas, Giotto]

No gótico, arte urbana sem deixar de ser religiosa [...], o espaço da cultura vulgar era maior. O fundamental continuava a ser a arquitetura religiosa, mas as catedrais góticas contavam, para ser erguidas, com a indispensável colaboração da burguesia local e da monarquia. Atendiam, portanto, a necessidades espirituais e práticas diferentes das do românico. Expressão de uma nova sociedade em formação, o gótico estava ligado à cultura que se desenvolvia nas escolas urbanas, ao pensamento que procurava harmonizar Fé e Razão. Concebia-se Deus como luz [daí os vitrais] e valorizava-se seu lado humano [daí o culto à Virgem]. A natureza passava a ser vista como parte essencial da Criação, por isso se procurava retratá-la com realismo. Essa postura revelava tanto uma nova sensibilidade [cuja melhor expressão é São Francisco] quanto uma nova preocupação intelectual, cuja melhor expressão é a retomada de Aristóteles. O gótico estava exatamente nesse equilíbrio entre coisas tão diferentes como as representadas pelo santo e pelo filósofo.

FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 110-111.

Nenhum comentário:

Postar um comentário