"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 7 de dezembro de 2014

As perseguidas: as mulheres nos romances filosóficos no século XVIII

A refeição da tarde, François Boucher. As mulheres são retratadas como mães e figuras sacralizadas no ambiente familiar. Matrimônio e maternidade exigiam postura mais equilibrada das mulheres

Romance epistolar, com narrativa desenvolvida a partir de cartas trocadas entre os personagens, A Nova Heloísa marcou outro momento dos "romances filosóficos", com novas opiniões sobre o feminino. Nele, as mulheres não foram descritas apenas pelo ângulo das "paixões". O "belo sexo" passava a ser relacionado também a uma ideia de virtude, que estava estreitamente ligada a três pilares: à virgindade na juventude - afinal, "o amor nas moças é indecente e escandaloso e apenas um esposo autorizaria um amante" -, ao matrimônio e à maternidade. Segundo Rousseau, quando adulta, a mulher deveria saber qual é o seu lugar. A "mulher virtuosa" seria a esposa casta e submissa e a mãe que prepara os filhos para serem educados pelos homens: "Mas há um longo caminho dos seis anos aos 20; meu filho não será sempre criança e, à medida que sua razão comece a nascer, a intenção de seu pai é de realmente a deixar exercer. Quanto a mim, minha missão não vai até lá. Alimento crianças e não tenho a presunção de querer formar homens. Espero, disse olhando seu marido, que mãos mais dignas venham a se encarregar desse trabalho. Sou mulher e mãe, sei manter-me em meu lugar. Ainda uma vez, a função de que estou encarregada não é a de educar meus filhos, mas de prepará-los para serem educados".

Essas opiniões novamente se refletiram na caracterização das próprias personagens. Se nos romances anteriores à obra de Rousseau as heroínas não foram pensadas para viver a maternidade e o matrimônio, e sim para deixarem transparecer "os efeitos das paixões", na Nova Heloísa a situação se inverte. Neste romance, as personagens estão envolvidas com suas futuras obrigações de mãe e esposa durante quase toda a narrativa.

De Montesquieu a Rousseau, os "romances filosóficos" estiveram longe de propagandear uma emancipação feminina. Suas personagens bem demonstraram isso. Apaixonadas ou virtuosas, as mulheres foram sempre vistas nas obras como seres inferiores aos homens, tanto em sua capacidade psicológica quanto nos seus direitos perante a sociedade. A situação era bem difícil: se ousassem expor seus sentimentos, seriam encaradas como escravas de suas paixões. Se optassem  por não abraçar a maternidade e o matrimônio, estariam se afastando da virtude. Mas, apesar de tanta resistência, as mulheres, mesmo vivendo em tal contexto, conquistaram importantes avanços. E continuam conquistando. Apaixonados e virtuosas.

Renato Sena Marques. As perseguidas. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7 / Nº 79 / Abril 2012. p. 48-51.

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