"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Prostituição na Idade Média

A miséria, o desenraizamento de jovens camponesas perdidas nas cidades, a rejeição das moças seduzidas e depois abandonadas, todos esses motivos empurraram para a prostituição mulheres que não escolheram vender o próprio corpo. Houve uma prostituição rural e uma prostituição urbana.

No final da Idade Média, as crises econômicas e as desordens trazidas pelas guerras aumentaram o número dessas mulheres, prostitutas profissionais ou ocasionais. O primeiro aspecto, mais particular e sem dúvida fundador de uma atitude assumida relativamente à prostituição, pode ser encontrado na postura da Igreja. É verdade que as “mocinhas” ditas “amorosas” ou “devassas” eram grandes pecadoras. Mas elas podiam ser salvas caso se arrependessem e mudassem de vida. Uma hipótese era conseguirem se casar; a partir do século XII, a Igreja decretou que desposar uma moça pecadora fazia parte dos anais de obras meritórias. Essas “mocinhas” [ou raparigas] também podiam passar o resto da vida sob a rude disciplina de uma instituição religiosa, pois desde o século XII monastérios de todo tipo, com freqüência ditos de ordem de Maria Madalena, acolhiam mulheres arrependidas.


Casa de banhos no período medieval

O segundo aspecto diz respeito às formas de organização dessas atividades. Em certos lugares, as “casas de moças”, “antros de devassidão” e outros “bordéis” mantidos e controlados pelas próprias cidades, eram instituições que contribuíam para o bom funcionamento de toda a sociedade. A prostituição oficial era vista como um dos meios de controlar os excessos e transbordamentos dos celibatários: clérigos, rapazes para quem o acesso ao casamento e às responsabilidades familiares e profissionais estava por ora fechado. Essa clientela masculina considerava poder fazer essas exigências e admitia satisfazê-las dessa forma.

Em outras cidades, a prostituição era tolerada, as matronas proxenetas e suas meninas tinham o direito de viver em algumas ruas a elas atribuídas, onde podiam exercer seu negócio, sob condição de respeitarem os limites impostos pelas regras urbanas – em particular, o uso de roupas que as distinguissem das demais mulheres e a proibição de usar o mesmo tipo de cintos e joias que as burguesas ou as senhoras da nobreza. Isso permite deduzir que uma parte dessas mulheres podia ter uma autêntica carreira, passível de culminar em um casamento, integrando-as à normalidade social e em uma forma de respeitabilidade e de honra. Também se depreende que os lucros auferidos com essa atividade, em particular os aluguéis e rendas cobrados pelas casas que as abrigavam, eram anotados nos registros censitários e livros contábeis de um capítulo eclesiástico ou abadia. Aliás, os canonistas do século XIII admitiam que os dividendos desse trabalho não eram imorais, sob certas condições (dentre as quais, o fato de as mulheres exercerem essa atividade não por prazer, mas por necessidade).

Muitas vezes, os documentos judiciais associavam a prostituição ao roubo e à vigarice, com as mulheres agindo com a ajuda de seus protetores para enganar os clientes. Constava ainda que o estupro de uma prostituta era crime, que era possível o casamento de uma mulher que já tinha se prostituído, que a justiça considerava a hipótese de um marido vender a esposa quando esta, forçada ao pecado, podia obter a separação legal. O desenvolvimento da prostituição nas cidades, no final da Idade Média, produziu uma desvalorização do trabalho feminino: as vendedoras, as trabalhadoras do setor têxtil, em especial, eram acusadas de maus costumes e seus ofícios eram vistos como uma fachada, que escondia outra atividade – desonesta. (Simone Roux, professora honorária da Universidade Paris VII Vincennes-Saint-Denis)


In: BETING, Graziella. Coleção história de A a Z: [volume] 2: Idade Média. Rio de Janeiro: Duetto, 2009. p. 15-16.

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