"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 30 de novembro de 2013

Os druidas

Os druidas trazendo o azevinho, G. Henry E. Horned

Os druidas eram os sacerdotes entre as antigas nações célticas da Gália, Bretanha e Germânia. O que sabemos a respeito deles é tirado dos escritores gregos e romanos, comparado com o que ainda resta da poesia gaélica.

Os druidas combinavam suas funções de sacerdotes com as de magistrados, sábios e médicos. Colocavam-se, em relação ao povo das tribos célticas, de maneira bem semelhante à que os brâmanes da Índia, os magos da Pérsia e os sacerdotes do Egito se colocavam diante de seus respectivos povos.

Os druidas ensinavam a existência de um deus, a quem davam o nome de “Be’al”, que segundo os entendidos, significa “a vida de tudo” ou “a fonte de todos os seres” e que parece ter afinidade com o Baal dos fenícios. O que torna essa afinidade mais notável é o fato de os druidas, do mesmo modo que os fenícios, identificarem aquela sua divindade suprema com o sol. O fogo era considerado como símbolo da divindade. Os escritores latinos afirmam que os druidas também cultuavam numerosos deuses inferiores.

Não usavam imagens para representar o objeto de seu culto, não se reuniam em templo ou construções de qualquer espécie para a realização de seus rituais sagrados. Seus santuários consistiam em um círculo de pedras (cada uma das quais, em geral, de tamanho muito grande), cercando uma área de vinte pés a trinta jardas de diâmetro. O mais célebre deles é o de Stoneheng, na planície de Salisbury, Inglaterra.

Esses círculos sagrados ficavam, em geral, perto de um rio, ou à sombra de um bosque ou de um frondoso carvalho. No centro do círculo, havia o Cronlech, ou altar, que era uma grande pedra colocada à maneira de uma mesa, sobre outras pedras. Os druidas tinham, também, seus santuários em lugares elevados, com grandes pedras ou montões de pedras no alto dos morros. Eram chamados Cairns e usados para cultuar a divindade simbolizada pelo sol.

Não pode haver dúvida de que os druidas ofereciam sacrifícios à sua divindade. Há, contudo, certa dúvida a respeito da espécie de sacrifício que ofereciam, e quase nada sabemos sobre as cerimônias relacionadas com seus serviços religiosos. Os escritores clássicos (romanos) afirmam que eles ofereciam sacrifícios humanos nas grandes ocasiões, como, por exemplo, para obterem a vitória na guerra ou livrarem-se de moléstias perigosas. César descreve minuciosamente a maneira como isso era feito: “Têm imagens imensas, cujos membros são feitos de madeira trançada e se enchem com pessoas vivas. Essas imagens são queimadas e os que dentro dela se encontram vitimados pelas chamas.” Muitas tentativas têm sido feitas pelos escritores simpáticos aos celtas para desmentir o testemunho dos historiadores romanos a esse respeito, mas sem sucesso.

Os druidas realizavam dois festivais por ano. O primeiro tinha lugar no princípio de maio e era chamado Beltane ou “fogo de Deus”. Nessa ocasião, acendia-se uma grande fogueira em algum lugar elevado, em honra ao sol, cujo benéfico regresso era saudado, depois da sombria desolação do inverno. Reminiscência desse costume perdura até hoje em algumas partes da Escócia, sob o nome de Whitsunday.

O outro grande festival dos druidas era chamado Samh’in, ou “fogo da paz”, e se realizava no princípio de novembro, costume que ainda permanece na região montanhosa da Escócia, sob o nome de Hallow-eve. Por essa ocasião, os druidas reuniam-se em assembléia solene, na parte mais central da região, para desempenhar as funções judiciais de sua classe. Todas as questões, fossem públicas ou privadas, e todos os crimes contra pessoas ou propriedade eram-lhes, então, apresentados, para apreciação e julgamento. Esses atos judiciais estavam ligados a certas práticas supersticiosas, especialmente o ato de acender o fogo sagrado, o qual serviria, por sua vez, para acender todos os fogos da região, que tinham sido, antes, escrupulosamente apagados. Esse uso de acender fogueiras no dia primeiro de novembro foi conservado nas Ilhas Britânicas, até muito depois do advento do cristianismo.

Além dessas duas grandes festividades anuais, os druidas tinham o hábito de comemorar a lua cheia e, especialmente, o sexto dia da lua. Nesse dia procuravam o visco que crescia em seus carvalhos favoritos e ao qual, assim como ao próprio carvalho, atribuíam peculiar virtude e santidade. Sua descoberta era uma ocasião de regozijo e culto solene. “Eles o chamam – diz Plínio – por uma palavra que, em sua língua, significa “cura-tudo” e, tendo feito solenes preparativos para as festividades e sacrifício embaixo da árvore, para ali levam dois touros inteiramente brancos, cujos chifres são, então, amarrados pela primeira vez. O sacerdote, vestido de branco, sobe à árvore e corta, com uma foice de ouro, o visco, que é recolhido em um pano branco, depois do que se processa a matança das vítimas. Ao mesmo tempo, dirigem preces a Deus, para que lhes conceda prosperidade.” Era bebida a água em que o visco fora colocado, tida como remédio para todas as enfermidades. O visco é uma planta parasita e, como não é frequentemente encontrada nos carvalhos, o seu encontro se tornava mais precioso.

A druidesa, Odilon Redon

Os druidas eram mestres de moralidade como de religião. Um valioso exemplo de seus ensinamentos éticos foi conservado nas Tríades dos bardos gaélicos, e dele podemos deduzir que a ideia que faziam da inteira moral era justa em seu conjunto, e que eles adotavam e ensinavam muitas regras de conduta nobres e valiosas. Também eram os cientistas e sábios da sua época e de seu povo. É discutível se estavam ou não familiarizados com o alfabeto, embora haja grande probabilidade de que estivessem, de certo modo. É certo, contudo, que não passaram para a escrita coisa alguma de suas doutrinas, de sua história ou de sua poesia. Seus ensinamentos eram orais e sua literatura (se a expressão pode ser usada em tal caso) preservada apenas pela tradição. Os escritores romanos, todavia, admitem que “eles prestavam muita atenção à ordem e às leis da natureza, e investigavam e ensinavam aos jovens entregues aos seus cuidados muitas coisas referentes às estrelas e seus movimentos, ao tamanho do mundo e das terras e concernente à força e ao poder dos deuses imortais”.

Sua história consistia em narrativas tradicionais, em que eram celebrados os feitos heróicos de seus antepassados. Segundo parece, essas narrativas eram em versos e constituíam, pois, parte da poesia, assim como da história dos druidas. Nos poemas de Ossian, temos, senão verdadeiras produções dos tempos dos druidas, pelo menos o que se pode considerar como fiel representação das canções dos bardos.

Os bardos constituíam parte essencial da hierarquia druídica. A propósito, observa um autor, Pennant: “Supunha-se que os bardos eram dotados de poder igual à inspiração. Eram os historiadores orais de todos os acontecimentos passados, públicos e particulares. Também eram perfeitos genealogistas” etc.

Pennant apresenta uma descrição minuciosa dos Eisteddfods, ou reuniões de bardos e menestréis, que se realizavam no País de Gales durante muitos séculos, muito depois de já terem desaparecido todos os outros setores do sacerdócio druídico. Nessas reuniões somente os bardos de valor podiam apresentar suas peças e somente podiam executá-las os menestréis realmente à altura. Eram nomeados juízes para decidir o valor dos concorrentes e conferir-lhes os graus adequados. Primitivamente os juízes eram nomeados pelos príncipes de Gales e, depois da conquista do país, por designação dos reis da Inglaterra. Conta a tradição, porém, que Eduardo I, em represália à influência exercida pelos bardos para estimular a resistência do povo ao seu jugo, perseguiu-os, com grande crueldade. Essa tradição ofereceu ao poeta Gray o assunto para a sua conhecida ode, “O Bardo”.

Ainda se realizam, ocasionalmente, reuniões dos amantes da poesia e da música gaélicas, conservando essas reuniões o seu antigo nome.

O sistema druídico estava em seu apogeu por ocasião da invasão romana comandada por Júlio César. Aqueles conquistadores do mundo dirigiram toda a sua fúria contra os druidas, considerando-os seus principais inimigos. Os druidas, perseguidos em toda parte do continente, refugiaram-se em Anglesey e Iona, onde encontraram abrigo e continuaram a prática de seus ritos, agora proibidos.

Mantiveram seu predomínio em Iona, no litoral e nas ilhas adjacentes, até que foram suplantados e suas superstições vencidas pela chegada de São Columbano, apóstolo da Escócia que converteu os habitantes ao cristianismo.


BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 333-336.

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