"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"Apartheid"

“A liberdade de um homem é o jugo de outro”.
(Provérbio africano, Benin)

Mural Huddleston, Josef Langerman 

Na África do Sul, cuja independência dentro da Commonwealth (ou Comunidade Britânica) ocorreu em 1931, os brancos africanos (descendentes de holandeses e ingleses) intensificaram a segregação racial (conhecida como Apartheid – privava os não brancos de todos os direitos políticos e civis e da maior parte dos direitos humanos) a partir da vitória do Partido Nacionalista, sobretudo nos governos de Daniel Malan (1948-1954) e Hendrik Verwoerd (1958-1966). “O aguçamento do racismo parece-nos ter correspondido a um novo perigo de proletarização de amplas camadas brancas da população”. (PEREIRA, J. M. N. Descolonização. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 1973. p. 39) Foi justamente o Apartheid que levou o governo de Verwoerd a cortar todos os laços com a Inglaterra e a proclamar a República Sul-Africana (1961).

Em 1985, na África do Sul, havia 5.500.000 brancos (os africânderes), 22.500.000 negros (chamados africanos), 3.250.000 mestiços (denominados coloureds) e 975 mil asiáticos. Durante as quatro décadas de existência do Apartheid, a luta entre a minoria branca (17%) e a maioria não branca (83%) foi constante, principalmente pelo crescimento da consciência negra.¹ Ficou conhecido o Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, tornado o Dia Mundial contra a Discriminação Racial. Sabe por quê? Neste dia, as autoridades brancas massacraram uma centena de negros e prenderam mais de 200 que protestavam contra o Apartheid. Também em 1960 foi colocado fora da lei o Congresso Nacional Africano e encarcerado seu principal líder, Nelson Mandela – que permaneceu preso até 1990 -, decisões que levaram o partido a pregar a luta armada para conquistar direitos que os negros não possuíam. Graças, inclusive, às imagens transmitidas pela televisão, a opinião pública mundial tomou conhecimento da violência das autoridades brancas contra os protestos negros. Nessa luta destacou-se Desmond Tutu, primeiro bispo negro do país e Prêmio Nobel da Paz em 1984.

¹ “A minoria branca, que compunha um quinto da população total em meados do século, dominava a nação, conduzindo a mais bem-sucedida economia do continente, da Cidade do Cabo até Durban. Os africanos negros e os chamados mestiços do Cabo formavam 80% da população e serviam como mineiros, trabalhadores rurais, reparadores de estradas, varredores de ruas, garçons e empregados domésticos. Eram mal remunerados, pelos padrões do país, mas bem pagos em comparação com a maioria das nações africanas.” (BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 188-189).

Massacre de Sharpeville, Godfrey Rubens

Em 1988, o governo sul-africano proibiu toda e qualquer atividade de organizações oposicionistas, alegando que essas entidades “insistem em manter e promover um clima revolucionário”. Aliás, desde que decretou o estado de emergência, em junho de 1986, o governo sul-africano prendeu 25 mil pessoas sem julgamento, assassinou milhares de outras e, em 1987, estabeleceu feroz censura aos meios de comunicação.

E sabe por que toda essa violência? Para garantir à burguesia empresarial branca a disponibilização de mão de obra farta e barata, sem dispor de qualquer proteção das leis. Ao contrário, a legislação existente colocava a maioria não branca inteiramente à mercê da minoria branca.

Entretanto, a oposição cada vez mais violenta do Congresso Nacional Africano levou o governo do presidente Frederick de Klerk a revogar as leis do Apartheid: oficialmente deixou de haver o Apartheid (1991).²

Um plebiscito, no ano seguinte, aprovou, por maioria de votos, as decisões governamentais.

Mesmo assim, continuou instável a situação do país:
- a crise econômica permaneceu:
- aumentou a violência da organização branca neonazista Movimento de Resistência Africânder, com suas milícias fardadas de cáqui, usando a suástica e a saudação nazista;
- articularam-se organizações e partidos negros defensores de uma democracia baseada no princípio de um-homem-um-voto e na aprovação de nova Constituição.

Em 1994, Nelson Mandela, velho militante negro, foi eleito presidente da República, sendo formado um ministério de conciliação nacional. Desistindo de concorrer à reeleição, Mandela foi sucedido, em 1999, por Thabo Mbeki, também do CNA.

² “De qualquer forma os negros puderam votar e, principalmente, locomover-se livremente pelo país, geralmente em busca de empregos e melhores condições de vida. Por esta razão surgiram enormes favelas junto às grandes cidades, mostrando uma pobreza que estava oculta em regiões afastadas onde as “comunidades tribais” eram obrigadas a permanecer. Mas houve melhorias, apesar do alto índice de desemprego, pois o acesso à saúde, à educação, à eletricidade e, gradativamente, à moradia está sendo conquistado. Contudo, inegavelmente, há frustração pela falta de emprego, desigualdade social (agora há termo de comparação) e o resultado é o aumento da criminalidade, especialmente juvenil.

O país também recebe muitos imigrantes das regiões mais pobres da África, o que complica a situação e cria “bodes expiatórios” para os descontentes e forças políticas que buscam a instabilidade. Há um processo de Black empowerment, um programa governamental destinado a aumentar a presença dos negros nos negócios e na administração. Mas o que isto gerou até agora foi a formação de uma pequena elite negra, claramente cooptada pelo modo de vida dos antigos senhores, como o rico cinema sul-africano tem mostrado.

Embora a situação interna sul-africana seja complicada, especialmente quanto aos problemas sociais que afetam a maioria negra, começa a esboçar-se uma área de integração na África Austral em torno da “nova” África do Sul. O processo de paz traz implícita a integração econômica da região, permitindo virtualmente uma maior estabilidade social e diplomática, bem como uma inserção internacional menos onerosa desta área no movimento de globalização econômica em curso.” VISENTINI, Paulo Fagundes [et al]. História da África e dos Africanos. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 152-153.


AQUINO, Rubim Santos Leão de [et al]. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2010. p. 584-585.
BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 188-189.
VISENTINI, Paulo Fagundes [et al]. História da África e dos Africanos. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 152-153.

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