"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 6 de julho de 2013

Religião e escravidão

Desde suas mais primitivas origens, a Igreja católica aceitou e promulgou a escravidão como uma prática institucional que se considerava justa, necessária ou inevitável. As Escrituras não a condenavam e esse fato facilitou aos cristãos fazerem uso dela sem problemas de consciência. No tempo de São Paulo, a escravidão era condenada como instituição derivada do pecado dos homens, e com Santo Tomás e as doutrinas aristotélicas admitiu-se a escravidão como derivada da suposta inferioridade moral ou espiritual dos escravizados. A escravidão havia desaparecido de grande parte da Europa norte-ocidental durante a Idade Média, mas sua prática conservou-se na região do Mediterrâneo. Na Itália, Espanha, Portugal e norte da África, manteve-se a escravidão em consequência das numerosas guerras que por motivos econômicos e religiosos se sucederam.


Mercado de escravos no Rio de Janeiro, Edward Francis Finden


Nesta experiência escravagista, Espanha e Portugal estavam mais próximos da África do que a Europa. Para a Igreja, neste contexto geopolítico, era mais importante a propagação da fé (e os emolumentos que invariavelmente renderiam os territórios conquistados) que os assuntos como a liberdade do homem. Era uma questão de simples prioridade. A escravidão, então, como bem assinala Duchet, era legítima pois contribuía para a propagação do cristianismo. A posse de escravos pelo clero, por sua vez, convertia-se no melhor exemplo da legitimidade da prática. Assim, a Igreja, tanto doutrinalmente, como exemplarmente, defendeu a existência da escravidão. Este fato, tão conveniente ao expansionismo guerreiro monárquico, facilitou a colaboração entre ambas as jurisdições no momento de dispor de prisioneiros e de populações capturadas. Após a tomada de Málaga pelos reis católicos em 1492, e depois de converter em escravos toda a sua população, enviou-se ao papa, como presente, cem cabeças.

Chafariz das Marrecas, Armand Julien Pallière



Em Sevilha do século XVI, o setor eclesiástico era dos principais proprietários de escravos, fossem mouros, guanches, negros ou índios. Durante todo o século a Igreja não manifestou repúdio ou crítica à escravidão do negro, embora o fizesse, em segmentos importantes, contra a do índio. Mas esta distinção baseava-se mais na conclusão inevitável das próprias premissas do que numa real mudança da ótica da escravidão na instituição.

Negros cangueiros, Jean-Baptiste Debret


A escravidão do índio não podia ser justificada em termos religiosos como a do negro pela qual a ação de escravizá-los seria improcedente. A questão ao menos suscitou um debate importante e procedeu à discussão histórica tanto do colonialismo como da liberdade do homem.

BADILLO, Jalil Sued. "Igreja e escravidão em Porto Rico no século XVI". In: Escravidão Negra e História da Igreja na América  Latina e no Caribe. Petrópolis: CEHILA/Vozes, 1987.

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