"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 16 de junho de 2013

Aurora do século XX: Magia e miséria na cidade grande

Place St. Michel, Notre-Dame, Paris. Edouard Cortes

As grandes cidades eram o símbolo da nova época. Na Europa, havia meia dúzia com mais de 1 milhão de habitantes cada uma, enquanto um século antes somente Londres havia atingido tal marca. Esta continuava a ser a maior cidade que o mundo conhecia, abrigando então 6 milhões de pessoas. A segunda maior, em 1900, era Paris, que se aproximava dos 3 milhões. Berlim vinha em terceiro lugar, com o crescimento mais rápido entre as três e aproximadamente 2 milhões de habitantes. Eram seguidas por Viena (Áustria) e por duas cidades russas: São Petersburgo e Moscou.

Rue de Berne, Paris. Édouard Manet


As cidades cresciam rapidamente, pois absorviam a população excedente das povoações menores e das áreas rurais que ficavam perto delas. Em 1900, apenas metade dos habitantes de Viena era natural dali. Embora fosse a cidade com o custo de vida mais elevado de toda a Europa, estava cheia de habitações, todas extremamente pequenas; assim, a maior parte dos moradores usava as cafeterias da vizinhança para compensar a falta de espaço em casa. Viena era o lar do creme chantili, das tortas geladas e do café - o chá era apreciado na Grã-Bretanha e na Rússia. Era também o lar da música clássica [...] e ali surgiu uma nova psicologia, formulada por Sigmund Freud. Também foi ali que nasceu o nazismo, uma vez que, em 1907, o jovem Adolf Hitler, vindo do interior, começou a aderir ao antissemitismo, tendência política cuja importância aumentava naquela cidade, onde os judeus formavam um décimo da população.

A boa música e o teatro se concentravam nas metrópoles. A música ao vivo era praticamente a única que se podia ouvir, visto que havia gramofones somente em algumas poucas casas e os aparelhos de rádio ainda não existiam. Um dos prazeres dos amantes da música que se mudavam de pequenas localidades para Leipzig ou Praga consistia em ouvir pela primeira vez na vida uma orquestra sinfônica ou uma banda de metais. Interessantíssimas também eram as estações de trem - como a St. Lazare, em Paris, a mais movimentada do mundo - e as ruas apinhadas de veículos de tração animal e bondes, com seus sinos barulhentos. A tudo isso se somavam os músicos a tocar nas calçadas em troca de moedas de bronze e prata recebidas dos passantes.

Un Bar aux Folies-Bergère, Édouard Manet



Os rostos que enchiam as ruas das grandes cidades eram um reflexo do trabalho diário. A maior parte dos habitantes voltava para casa com sinais da labuta espalhados pelas roupas e mãos - tinta de impressão, farinha do moinho, o mau cheiro do esterco dos estábulos, o odor de couro das fábricas de botas e a fuligem do carvão das fábricas e ferrovias. Nem sempre havia água para beber e para limpeza. [...] Os perfumes quase sempre compensavam a escassez da água [...[.

O número de escriturários e funcionários administrativos aumentava - um indício da época em que trabalhar com roupas limpas seria a regra. Grandes escritórios dependiam de invenções que aceleravam o fluxo das informações: o selo de preço irrisório; as coletas postais, que aconteciam três vezes ao dia nas grandes cidades; e as canetas de ponta de aço, que substituíram as penas de ganso. [...]

Os escritórios das cidades passaram a usar a máquina de escrever Remington, o telefone e a calculadora. [...] As máquinas de escrever tinham a vantagem de, com a ajuda de uma folha de papel-carbono colocada atrás do papel branco, produzir uma cópia nítida do que havia sido datilografado. Por volta de 1910, alguns trens expressos ofereciam uma sala com máquinas de escrever na qual estenógrafos podiam receber mensagens de homens de negócios e datilografá-las enquanto o trem avançava velozmente [...]. A datilografia era cada vez mais uma profissão para jovens mulheres, que tornaram os escritórios não apenas um local de trabalho, mas também de namoro.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 25-27.

Nenhum comentário:

Postar um comentário