"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Independência... para quem?

José Bonifácio, a fundação da Pátria, Eduardo de Sá
[Obra idealizando as "três raças" na formação do Brasil]

D. João VI retornou a Portugal mas deixou para governar o Reino do Brasil um príncipe-regente. Era seu filho, um jovem português de 21 anos, D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.

Uma das missões de D. Pedro era evitar que o Brasil se separasse de Portugal. Pouco a pouco, no entanto, D. Pedro foi se ligando aos fazendeiros do Sudeste, que tinham progredido com a vinda da Corte e com a abertura dos portos.

Estes fazendeiros, mais alguns funcionários do Reino do Brasil e grupos influentes do Rio de Janeiro e de São Paulo - padres, doutores, jornalistas e oficiais - organizaram um movimento para lutar contra a recolonização do Brasil: era o Partido Brasileiro. Não era um Partido como os de hoje, com ideias colocadas no papel, pessoas filiadas e dirigentes eleitos. Era mais um grupo de pressão que, com o tempo, foi se agarrando a um desejo maior: a independência.

Dentro do Partido Brasileiro havia dois grupos. O mais forte, formado por fazendeiros do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais: era chamado de grupo aristocrata. Seu líder era José Bonifácio. O outro grupo, com menos influência, era o dos democratas. Para esses, a independência só seria completa se o povo pudesse participar no novo governo. Um dos seus maiores líderes era Gonçalves Ledo.

As preocupações com os rumos do Brasil cresciam em Portugal. Afinal de contas, a rebeldia tomava conta do próprio representante do governo português aqui, o príncipe-regente D. Pedro...

- D. Pedro está se perdendo! Ele precisava vir a ilustrar na Europa, pois tem nome comprido e ideias curtas! Está se envolvendo com aventureiros, Majestade!

Corria o ano de 1822: os conflitos cresciam. De um lado, D. Pedro e o Partido Brasileiro. De outro, D. João VI e as Cortes de Lisboa, que desejavam a recolonização do Brasil.

As Cortes não davam sossego ao príncipe-regente: queriam seu retorno imediato, mandaram tropas para cá, substituíram os governos das províncias que não eram fiéis a Portugal. Fizeram de tudo para submeter o Brasil.

Na tarde do dia 7 de setembro essa luta teve o seu desfecho. Quando descansava de uma viagem às margens do riacho Ipiranga, perto da cidade de São Paulo, o príncipe recebeu um ultimato das Cortes. Elas exigiam, mais uma vez, o seu regresso. Influenciado pelo Partido Brasileiro de José Bonifácio, D. Pedro desobedeceu e preferiu romper de vez com o governo de sua terra natal:

- Laços fora, soldados! As Cortes perseguem-me, chamam-me com desprezo de "rapazinho" e "brasileiro". Pois verão agora quanto vale o "rapazinho"! De agora em diante, nossa divisa será: "Independência ou Morte"!

Independência e mortes, que fique bem claro. Depois do grito do príncipe, algumas de nossas províncias transformaram-se em sangrentos campos de batalha. No Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e Província Cisplatina (atual Uruguai) as tropas brasileiras, com a ajuda de muita gente do povo, tiveram que expulsar, com armas na mão, as forças portuguesas que não aceitavam a independência.

Ao príncipe, porém, não interessava que o rompimento fosse total. Afinal, quem governava Portugal era seu pai... E era preciso ter cuidado com os republicanos, que queriam a independência e a cabeça do rei! Era necessário, pois, formar um governo moderado, que confirmasse a separação, mas garantisse a "ordem" e a autoridade.

O homem forte do país que nascia era José Bonifácio, mas ele não tinha as mesmas ideias de Tiradentes, nem dos revolucionários baianos:

- Nunca fui nem serei realista puro, mas nem por isso irei me abrigar debaixo das esfarrapadas bandeiras da suja e caótica democracia.

Assim nascia o país Brasil. De um lado, homens como José Bonifácio, ligado aos "aristocratas". Eles formavam o grupo de maior influência no governo do imperador D. Pedro I, pois tinham conseguido enfraquecer mais ainda os democratas, muitos dos quais foram presos ou expulsos do país. De outro, a numerosa massa de trabalhadores escravos e livres, sem voz nem vez. A independência não mudou a vida desses milhões de brasileiros!

A independência também não acabou com o domínio inglês por aqui. Maria Grahan, uma inglesa que visitou a nova nação, comentou em seu livro sobre o Brasil: "Os habitantes em geral, mas especialmente os comerciantes estrangeiros, estão bem satisfeitos por verem as tropas de Lisboa despedidas".

As mercadorias chegavam do Reino Britânico em grande quantidade. Em cada porta de loja, o anúncio:

SUPER FINO DE LONDRES:
algodão estampado, panos largos,
louças de barro, ferragens de Birmingham.

Assim nascia o Brasil independente...

E a escravidão acabou? Os governantes seriam eleitos pelo povo, como já acontecia nos regimes republicanos? Terminaram os latifúndios, que deixavam muita terra nas mãos de uns poucos donos? A produção aumentou, alimentando melhor o povo ao invés de ficar no açúcar e ouro para exportação? Surgiram fábricas e manufaturas? A vida cultural se dinamizou, com o surgimento de artistas nossos, que levassem para todos a arte popular?

Ou ficava tudo como dantes no quartel de Abrantes?

ALENCAR, Chico et alli. Brasil Vivo 1: uma nova história da nossa gente. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 83-84.

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