"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Os grandes descobrimentos geográficos

O "Theatrum Orbis Terrarum" ("Teatro do Globo Terrestre") de Abraham Ortelius, publicado em 1570 em Antuérpia

"Já não tínhamos mais nem pão para comer, mas apenas polvo impregnado de morcegos, que tinham lhe devorado toda a substância, e que tinha um fedor insuportável por estar empapado em urina de rato. A água que nos víamos forçados a tomar era igualmente pútrida e fedorenta. Para não morrer de fome, chegamos ao ponto crítico de comer pedaços de couro com que se havia coberto no mastro maior, para impedir que a madeira roçasse as cordas. Este couro, sempre ao sol, à água e ao vento, estava tão duro que tínhamos que deixá-lo de molho no mar durante quatro ou cinco dias para amolecer um pouco. Frequentemente nossa alimentação ficou reduzida à serragem de madeira como única comida, posto que até os ratos, tão repugnantes ao homem, chegaram a ser um manjar tão caro, que se pagava meio ducado por cada um. [...] PIGAFETTA, Antonio. Diário da expedição de Fernão de Magalhães, 1512-1522. (Relato das dificuldades enfrentadas pelos navegantes europeus durante as viagens marítimas)

Disputa entre cosmógrafos (Alegoria ao Novo Mundo), José Antônio da Cunha Couto

Após as crises do século XIV e a nova estrutura do Estado Moderno, a Europa do século XV sentiu crescente necessidade de capitais para ampliar seu comércio que enfrentava sérias dificuldades. Em razão do monopólio comercial exercido pelos turcos no Oriente, pelos árabes na África e pelos venezianos no Mediterrâneo, haviam-se tornado muito caras as mercadorias africanas e asiáticas: perfume, sedas, tapetes, pedras preciosas, marfim e, sobretudo, as especiarias, largamente usadas para conservação e tempero de alimentos e no preparo de remédios.

Decididos a vencer essas dificuldades, a burguesia europeia e o Estado Moderno deram início à expansão marítima ao longo de rotas ainda não exploradas.

Nau de Pedro Álvares Cabral

"Alguns temores europeus em relação a mares e terras desconhecidos tinham bases reais, como as dificuldades de orientação e o desconhecimento das correntes marítimas. Mas havia os produtos da imaginação, criados e/ou fomentados pela mística religiosa em relação ao Mar Tenebroso - o Atlântico. Dizia-se que, quando se chegasse ao fim do mar, também se alcançaria o fim do mundo; falava-se de monstros marinhos que habitavam as regiões ao sul do equador e de povos estranhos, dispostos a massacrar os incautos que se aventurassem em suas terras. Mas nem tudo era assustador. Também se aventurava a possibilidade de reencontrar o paraíso, o Éden bíblico ou, o que até seria melhor, o El Dorado, um lugar todo feito de ouro." (NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 260)

Livro das Maravilhas. Entre 1420 e 1422. Autor desconhecido


* As viagens portuguesas. Portugal, após ter firmado sua independência e se estruturado como Estado Moderno, não tendo como expandir-se por terra, voltou-se para a navegação do Atlântico, estimulado pela própria casa real de Avis, na qual se destacou o Infante Dom Henrique, filho de D. João I. Cercando-se de astrônomos, pilotos, construtores de navios, coletando obras sobre viagens e navegação, D. Henrique fundou em Sagres um grande centro de estudos e pesquisas náuticas.


Descoberta do Brasil, Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo

Durante o reinado de D. João I iniciou-se a expansão portuguesa visando alcançar a Ásia contornando a África; atingiram gradativamente pontos geográficos que se transformaram em importantes escalas marítimas:

1415 - Ceuta
1420 - Ilha da Madeira
1434 - Cabo Bojador
1441 - Cabo Branco
1446 - Cabo Verde
1456 - Golfo da Guiné

A morte do Infante D. Henrique (1460) e dificuldades técnicas para a navegação no hemisfério sul, sobretudo as calmarias da zona equatorial, sustaram por 30 anos o périplo africano, que só foi retomado no fim do século XV:

1485 - Estuário do Congo
1487 - Bartolomeu Dias atinge e ultrapassa o Cabo das Tormentas (depois Cabo da Boa Esperança)
1498 - Vasco da Gama chega a Calicute (Índia)
1500 - Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil; segue para a Índia onde impõe a soberania portuguesa
1502/1503 - Vasco da Gama impõe a soberania portuguesa na costa do Malabar
1507 - Ceilão
1511 - Málaca
1516 - China (Cantão)
1520 - China (Pequim)
1530 - Portugal obtém a concessão de Macau (China)
1542 - Japão

A chegada de Vasco da Gama a Calicute, Alfredo Roque Gameiro

Outro mundo encoberto
vimos então descobrir,
que se tenha por incerto:
pasma homem de ouvir
o que sabe muito certo.
que coisas tão grandes são
os da Índia e Iucatão,
e quão na China espantosas,
que façanhas façanhosas
no Brasil e Peru vão?
(Garcia de Rezende, Miscelânea e variedade..., 50)

A penetração de Portugal no Oriente foi conseguida através de lutas contra os árabes, senhores até então do comércio no oceano Índico. A expulsão dos árabes e acordos com chefes locais permitiram a Portugal dominar o comércio do Extremo Oriente por meio do estabelecimento de feitorias. Em 1512 Afonso de Albuquerque ampliou a conquista das Índias.

Lisboa, nas três primeiras décadas do século XVI, tornou-se uma das mais ricas e movimentadas praças do mundo. Para lá convergiam todos os produtos orientais, podendo ser obtidos por preços até cinco vezes menores do que o preço das mesmas mercadorias trazidas por Veneza através do Mediterrâneo: prata, do Japão; sedas, porcelanas, lacas, cânfora, essências aromáticas, da China; ouro, pedras preciosas, especiarias, das ilhas da Indonésia e da Índia; seda, pérolas, prata, perfumes, tapetes, coral, café, do Golfo Pérsico e da Arábia; ouro, marfim, âmbar, ébano, escravos, da África.

* As viagens espanholas. Antes da unificação das terras espanholas, o reino de Aragão lançou-se à conquista de vários pontos de apoio no Mediterrâneo, que lhe permitisse participar do comércio europeu:

séc. XIII - Ilhas Baleares, Ilha da Sicília
séc. XIV - Ilha da Sardenha
séc. XV - Nápoles

Em 1492 os reis espanhóis Fernando e Isabel apoiaram o projeto do navegador genovês Cristóvão Colombo, que tencionava atingir a Ásia navegando pelo Atlântico rumo a ocidente. Partindo, com três caravelas (Pinta, Niña, Santa Maria), do porto espanhol de Palos (agosto de 1492), Colombo aportou dois meses depois (12.10) em uma ilha do Mar das Antilhas. Contornou em seguida as atuais ilhas de Cuba e de São Domingos (por ele batizada La Espaniola) e retornou à Espanha certo de ter encontrado as Índias, razão pela qual deu a seus habitantes a denominação de índios.

Colombo e a índia virgem, Constantino Brumidi

Os reis espanhóis apressaram-se em garantir a posse das terras recém-descobertas, temendo a expansão marítima portuguesa. Conseguiram do papa espanhol Alexandre VI a bula Inter Coetera (1493) que assegurava a Castela o domínio exclusivo das terras situadas a oeste de um meridiano imaginário traçado a 100 léguas a ocidente dos arquipélagos de Cabo Verde e dos Açores. Em virtude dos protestos de Portugal que, através de bulas anteriores, havia obtido garantias de posse das terras por ele ocupadas, em 1494 Espanha e Portugal assinaram o conhecido Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo em dois hemisférios por meio de outro meridiano imaginário, desta vez traçado a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. O hemisfério do Ocidente tocava à Espanha, o do Oriente a Portugal.

Página do Tratado de Tordesilhas

As viagens de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama e de Cristóvão Colombo despertaram a curiosidade dos europeus, levando-os a explorações posteriores. Um dos primeiros a afirmar que as novas terras ao oeste não faziam parte da Ásia foi Américo Vespucci, navegador florentino, a serviço ora de Portugal ora de Castela, onde se tornou Almirante, que, empreendendo quatro viagens (1497-1503), explorou a costa leste da América do Sul. Foi em sua homenagem que o novo continente se chamou América.


Representação alegórica que mostra o navegador florentino Américo Vespúcio "despertando" a América de seu "sono", aqui representada por uma índia tupinambá. Ao fundo, uma cena de antropofagia frequente nas imagens que os europeus faziam do Novo Mundo. Vespúcio esteve no Brasil duas vezes, entre 1501 e 1504. A gravura é de Theodor Galle (1589).

As explorações dos espanhóis continuaram sucedendo-se:

1510 - Vasco de Balboa funda, no Istmo do Panamá, o primeiro núcleo espanhol.
1513 - Juan Ponce de León explora a península da Flórida.
1519 a 1522 - Fernando de Magalhães, navegador português a serviço da coroa espanhola, efetua a primeira viagem de circunavegação da terra. Partindo de Sevilha contorna a Patagônia e, pelo estreito que hoje leva seu nome, chega ao Oceano Pacífico. Apesar da morte de Magalhães em viagem, a expedição alcança seu objetivo, o de atingir a Ásia pelo Ocidente, retornando a Sevilha através da rota do Cabo da Boa Esperança.
1521 - Fernando Cortés subjuga os povos astecas e maias que habitavam o atual México.
1535 - Francisco Pizarro conquista o atual Peru, dominando seus habitantes, os quechuas.
1539 a 1542 - Hernando de Soto explora o sudeste do atual território dos Estados Unidos da América, próximo às terras do rio Mississipi.
1540 - Francisco de Coronado explora o sudoeste dos Estados Unidos atuais, descobre o Grand Canyon. Maravilha-se com as manadas de búfalos que percorrem as planícies.
1542 - Ruy Lopes de Villalobos estabelece o primeiro núcleo espanhol do Oriente, nas ilhas Filipinas.

Mapa da cidade asteca de Tenochtitlán e do Golfo do México, feito por um membro da expedição de Cortés, 1524

* As viagens inglesas e francesas. A partilha do globo entre espanhóis e portugueses, estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, não foi aceita pela França e pela Inglaterra, que também se lançaram a explorações marítimas em busca do caminho para as Índias pelo ocidente. Como as expedições portuguesas e espanholas se dirigiam predominantemente para as regiões do sul do continente americano, franceses e ingleses concentraram-se nas regiões norte da América, procurando sem cessar uma passagem setentrional para a Ásia, a passagem do noroeste; a busca não teve êxito, mas permitiu importante ocupação de terras.

"[...] Os reis Francisco I, da França, e Elizabeth I, da Inglaterra, concediam cartas de corso aos súditos e a navegadores que se dispusessem a realizar viagens formalmente, por conta própria, mas, de fato, a serviço dos monarcas.

Os corsários agiam como os piratas: atacavam as frotas e os portos ibéricos, assaltando-os e saqueando-os, desrespeitavam a proibição de percorrer as águas navegáveis e de alcançar as terras descobertas ou a descobrir, de um e de outro lado do meridiano de Tordesilhas. Os monarcas que os protegiam, sem se comprometer legalmente, partilhavam dos lucros obtidos." (NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 263)

1497 - Giovanni Caboto, navegador italiano a serviço da Inglaterra,  aporta em regiões do atual Canadá, reivindicando-as para a coroa inglesa.
1524 - Giovanni de Verazzano, italiano a serviço da França, explora a costa leste dos territórios norte-americanos desde a Carolina do Norte até a Terranova.
1534 - Jacques Cartier, explorador francês, sobe o rio São Lourenço, no atual Canadá, reivindicando para a França a posse da região.
1577 - Sir Francis Drake, navegador inglês, combina objetivos de exploração com atos de pirataria. Atravessa o Estreito de Magalhães, costeia o continente sul-americano pelo Pacífico, atacando navios espanhóis carregados de metais preciosos. Atinge as costas da atual Califórnia, possivelmente chegando, mais ao norte, até a ilha de Vancouver.
1609 - Henry Hudson, inglês, a serviço dos holandeses, descobre o rio e canal que levam seu nome. Passando a serviço dos ingleses explora toda a área da Baía de Hudson.

Após essas grandes viagens de descobrimentos as nações europeias principiaram a consolidar suas posições nos territórios por elas reivindicados. Teve início uma fase de rivalidades entre os vários países à medida que estes foram fundando núcleos colonizadores, explorando recursos naturais, comerciando produtos das novas terras. As rivalidades eram também motivadas pelas reivindicações vagas e imprecisas, pois os territórios eram extensos e ainda pouco e mal conhecidos.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. (org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 174-177.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 260 e 263.

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