"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O fim do Império Romano

Texto 1. É no momento da morte de Teodósio que frequentemente se toma posição para argumentar acerca das causas da queda do Império Romano. As teorias são numerosas: esgotamento e mistura das raças superiores, predominância de uma economia fechada, dominial, eliminação, a partir dos Severos, das elites dirigentes em favor de soldados semibárbaros, a "bolchevização" das elites, segundo o russo (branco...) Rostovtzeff; mais recentemente notaram-se as modificações dos eixos comerciais, o abandono de Roma por vias terrestres setentrionais, e mesmo o deslocamento dos estoques de ouro do Império no sentido do Oriente, o que explicaria o êxito da fundação de Constantinopla. Todas estas teorias contêm algo de verdade (salvo a última, sem dúvida, pois podemos demonstrar ter sido a cidade fundada graças a considerações estratégicas e, talvez, sobretudo religiosas).

Tudo resume-se, no fundo, em duas tendências: a pessimista, representada na França por F. Lot (La fin du monde antique), que considera que o Império, minado por suas taras internas, teria morrido em curto prazo, mesmo sem o advento das invasões bárbaras; e a otimista, de A. Piganiol ou S. Mazzarino, sensíveis à incontestável renascença do século IV, que julgam ter sido a civilização do Império "assassinada" pelo bárbaro. O papel das invasões, na verdade, parece determinante, mas precisamos observar ter o Império do Ocidente sobrevivido até 476, e o de Oriente, até 1453. Por conseguinte, em que momento fecha-se exatamente a história romana? (PETIT, Paul. História antiga. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1979. p. 327.)

Afresco, Templo de Ísis (Pompéia)


Texto 2. O Império encontrava-se, pois, dilacerado por crescentes dificuldades econômicas e pela polarização social à medida que se desenvolveram os últimos anos do século IV. Mas foi somente no Ocidente que estes processos atingiram o seu fim crucial, com o colapso de todo o sistema imperial perante invasões bárbaras. A análise convencional deste desastre final recorre à concentração das grandes pressões germânicas nas províncias ocidentais e à sua vulnerabilidade estratégica, geralmente maior do que nas províncias orientais. [...] Mas a convicção de que "as debilidades internas do Império não podem ter sido um fator importante no declínio" é claramente insustentável. Ela não fornece qualquer explicação estrutural das razões por que o Império do Ocidente sucumbiu aos bandos primitivos de invasores que o atravessaram no século V, enquanto o Império do Oriente, contra o qual os seus ataques haviam sido inicialmente muito mais perigosos, escapava e sobrevivia. A resposta a esta questão está em todo o desenvolvimento histórico anterior das duas zonas do sistema imperial romano.

O modo de produção escravagista desenvolvido, que constituía a mola do sistema imperial romano, naturalizou-se, portanto, desde a sua origem, sobretudo no Ocidente. Era, pois, lógico e previsível que as contradições endógenas desse modo de produção evoluíssem até à sua consumação extrema no Ocidente, onde não eram mitigadas ou determinadas por quaisquer formas históricas antecedentes ou alternativas. Onde o meio era mais puro, os sintomas eram mais extremos.

A polarização social do Ocidente acabou, pois, num sombrio finale duplo, com o Império dilacerado por cima e por baixo por forças internas antes de forças externas desfecharem o golpe final. (ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo. Porto: Afrontamento, 1980. p. 106-107, 113-114.)

Texto 3. Talvez a ideia mais corrente sobre o Império Romano seja a mais injustificada. Referimo-nos à noção de decadência moral, associada a exageros na comida e nas diversões e que teria levado à decadência de Roma. Em primeiro lugar, essa decadência moral teria durado séculos antes de levar Roma à ruína: ao menos cinco séculos (séculos I a.C. a IV d.C.), o que representa mais do que toda a história do Brasil!. Em segundo lugar, a “queda” do Império Romano já foi assinalada em momentos totalmente diferentes, indo desde 330 d.C., com Constantino, passando por 398, com a divisão entre o Império Romano do Ocidente e do Oriente, por 410, com a tomada de Constantinopla pelos godos, até 1453, quando Constantinopla, ainda oficialmente capital do Império Romano do Oriente (ou Bizantino), foi tomada pelos turcos.

Ainda mais importante, no entanto, é o fato de que noções como “decadência” são por demais subjetivas. Teria havido decadência moral? Ou os costumes eram, simplesmente, diferentes dos nossos? As “loucuras” dos imperadores não poderiam ter ocorrido sem que alguém as apoiasse e não eram atos menos políticos do que as “loucuras” de Stalin, de Hitler ou da ditadura militar, no Brasil, para ficar em alguns exemplos contemporâneos de autoritarismo. (FUNARI, Pedro Paulo. Roma, vida pública e privada. São Paulo: Atual, 1994. p. 6-7.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário