"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 9 de outubro de 2011

Aspectos da vida cotidiana em Atenas


Fragmento de estela funerária. Duas mulheres, usando peplos e kekryphalos (redes de cabelo), seguram flores de papoula ou romã, e talvez um saquinho de sementes. Mármore de Paros, feito em Pharsalos, Tessália, ca. 470-460 a.C.

[A cidade] O coração da cidade era constituído por uma grande praça, a ágora, onde se encontrava um altar dedicado aos doze deuses olímpicos e onde, até o século VI a.C., reunia-se a Eclésia. Cercada de numerosos pórticos, de vários edifícios públicos e administrativos, dela partiam as principais vias de comunicação da Ática, nela funcionava o grande mercado de Atenas, nela se reuniam os homens para discutir política, tratar de negócios ou de assuntos de justiça.

[Habitação] A vida cotidiana em Atenas era bem simples. A maioria dos habitantes tinha casas pequenas, feitas de argamassa fina e pouco resistente, branqueadas de cal. As residências maiores consistiam em vários quartos, dispostos em redor de uma área central descoberta, para onde se abriam todas as janelas.

[A família] A família era patriarcal. Cada família praticava, sob a direção do dono da casa, o culto religioso diário e o culto a seus mortos. Quando a família perdia um de seus membros, este era exposto sobre o leito e, depois de enterrado, recebia dos parentes, ao pé do túmulo, oferendas de alimentos, embora já houvesse desaparecido a crença nas necessidades materiais após a morte. Sobre a sepultura erguia-se uma lápide de pedra (estela), por vezes ornada de baixo-relevos representando as ocupações habituais que o morto desenvolvera em vida. Todos os anos, no mês de fevereiro, celebrava-se em Atenas o dia de finados; e, em cada família, era costume deixarem-se lugares vazios à hora das refeições, em homenagem a seus mortos.


Lécito - pequeno vaso alongado - ático, produzido entre 550 a.C. e 530 a.C., pode-se ver a representação do espaço das mulheres no oikos e a principal função exercida por elas: a tecelagem.

[Relações de gênero. Lazer] As mulheres só saíam por ocasião de festejos religiosos; no mais passavam seus dias dentro de casa, ocupadas com tarefas domésticas. Quando aparecia algum visitante logo se recolhiam ao gineceu, parte das habitações que lhes era exclusivamente reservada. Os homens, porém, passavam a maior parte do tempo fora de casa. Logo de manhã cedo tratavam de seus afazeres ou negócios e, a seguir, dedicavam longas horas às práticas esportivas, a conversas nos ginásios, ao cultivo das artes, a reuniões políticas. Quando recebiam amigos para jantar reclinavam-se em estrados cobertos de almofadas e, apoiando-se num dos cotovelos diante de pequenas mesas, comiam, bebiam e divertiam-se, ouvindo, por vezes, música, poesia, cantos, assistindo a espetáculos de danças.


Estela funerária de Mnesarete; um jovem escravo (esquerda) encara sua falecida patroa. Ática, c. 380 a.C.

[Comida e bebida] As refeições cotidianas eram muito frugais, consistindo de peixes ou aves, cereais, legumes - preparados e servidos em recipientes de barro - frutas, queijo, mel e vinho diluído em água.

[Vestuário] Também a vestimenta era simples, semelhante no feitio para homens e mulheres: panos retangulares de linho ou de lã, enrolados e drapeados à volta do corpo, presos aos ombros por grandes alfinetes e à cintura por um cordão.


Cortejo nupcial. Lécito com figuras negras. Pintor de Amásis. c. 550 a.C.

Os atenienses, em particular, e os gregos, de modo geral, consideravam da maior importância o convívio e a conversa, tanto assim que um provérbio grego recomenda: Seis horas diárias bastam para o trabalho; as restantes, dedica-as à vida. HOLLANDA, Sérgio Buarque de. (org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 74-76.

[A intimidade] O caráter guerreiro da cultura grega, presente em todas as cidades, levou a uma educação necessariamente militar e privilegiou o contato íntimo dos homens, favorecendo certo tipo de relação homossexual, aquela que se estabelecia entre um homem mais velho e um jovem. Essas relações sempre apresentavam um caráter de iniciação ao mundo dos adultos e eram tomadas como uma forma de pedagogia, na qual o mais velho seduzia o jovem mostrando-lhe suas melhores qualidades. O jovem, tomado de amor, procurava, então, imitá-lo. A pederastia não precisava chegar às vias de fato. Podia permanecer idealizada, numa relação platônica.



Hydra ática, c. 530 a.C. 

Sobre esse assunto, o filósofo Xenofonte, que viveu no século IV a.C., escreveu:


"Creio dever falar também do amor entre os meninos, por que esse ponto concerne à educação. Entre os outros gregos, por exemplo entre os Beócios, os homens e os jovens formam casais que vivem juntos;  entre os Eleatas compram-se com presentes os favores dos mais jovens [...]. Licurgo tinha certas objeções quanto a essas relações. No caso de um homem honesto se encantar com a alma de um jovem, e querer ser seu amigo e viver com ele, (Licurgo) louvava-a e via nessa amizade um meio de formar o jovem. Mas se alguém só se encantasse do corpo, seria declarado infame." VAN ACKER, Teresa. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994. p. 31-32.


kratera ática, c. 480-460 a.C.

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