"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 18 de setembro de 2011

Flagrantes do mundo contemporâneo: "Admirável mundo novo"

Posteridade:

Eles vão nos achar ridículos, os pósteros. / Nos examinarão /Com extrema curiosidade / e um tardio afeto. / Mas vão nos achar ridículos, os pósteros. / Olhando de lá tudo aqui / será mais claro para eles / que nos verão / inteiramente diversos do que somos, / bem mais exóticos do que somos. [...] / Farão simpósios, debaterão / e chegarão a bizarras conclusões. / Assim entraremos para a história deles / como outros para a nossa entraram: / não como o que somos / mas como reflexo de uma reflexão.
[Epitáfio para o século XX, Affonso Romano de Sant’anna]



Madonna (The Confessions Tour)

"Em todo o meu trabalho, o objetivo é nunca ter vergonha: de quem você é, do próprio corpo, do próprio físico, dos seus desejos, das suas fantasias sexuais. A razão pela qual intolerância, sexismo, racismo, homofobia existem é o medo. As pessoas têm medo de seus próprios sentimentos, medo do desconhecido. E o que eu estou dizendo é: não tenha medo."
(Madonna)

“É preciso agora, para transformar o mundo, pensar em construir um futuro diferente. Não se trata mais de contentar-se com um planeta onde um bilhão de habitantes vive na prosperidade, enquanto outro bilhão sobrevive na miséria total. É tempo de reformular uma nova economia, mais solidária, baseada no princípio do desenvolvimento sustentável e que situe o ser humano no centro das preocupações. [...] Nessa perspectiva, é preciso [...] investir maciçamente nas escolas, na habitação e na saúde; favorecer o acesso à água potável para o 1,5 bilhão de pessoas que não dispõem desse recurso [...].

A esse programa para transformar o mundo, seria necessário acrescentar outras urgências: [...] a emancipação da mulher em escala planetária, o princípio de precaução em matéria de meio ambiente [...] etc. Utopias outrora, que se tornaram objetivos políticos concretos para este século XXI que começa...” (Ignácio Ramonet, historiador espanhol, jornalista e especialista em geopolítica)

[...]

[Consumismo] Ela nasce no século XIX, mas é no XX que ganha notoriedade. Dizem que é mais conhecida que os Beatles, que, também diziam, eram mais conhecidos que Jesus Cristo… . Um símbolo do consumismo, a Coca-Cola é um fenômeno de publicidade, uma das marcas do século XX que, apostem, continuará no século XXI, com ou sem embalagem biodegradável. Hoje são 606 milhões de garrafas vendidas por dia em 200 países. É o refrigerante “que é isso aí”. Dá para falar do século XX sem se lembrar da Coke? Isso tudo foi possível graças a um eletrodoméstico que passou a ocupar espaço em 90% das casas brasileiras e é responsável por uma nova idade do gelo em pleno século XX: a geladeira.

[Propaganda x doenças] O fumo também ganhou status social e bilhões de cigarros [...] passaram a ser consumidos no século passado O cigarro é o responsável por imensas verbas publicitárias. Cowboys, camelos simpáticos, carrões e mulheres lindas movem televisão, corrida de Fórmula 1 e… hospitais. Cerca de três milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas com o cigarro em cada ano do final do século XX. Outros morreram de cheirar gasolina, o combustível do século. Em seu nome se fez a guerra de 1914 que [...] matou dez milhões de pessoas. Os motores a explosão interna foram os impulsionadores ideais e, com isso, encheram as ruas e estradas com o objeto de desejo de uma massa imensa de humanos: o carro. Se possível, um para o homem, outro para a mulher, outro para o filho, outro para o fim de semana… Todos nas ruas complicando o trânsito. Em São Paulo, por exemplo, qualquer chuva provoca 200 km de congestionamento. Contudo o petróleo, atualmente sob controle da Exxon, mas que já foi controlado pela família Rockfeller e pela Standard, continuou (e continua) a oferecer gasolina e outros derivados para o modo de vida do século XX.

[Tecnologia] No século XX o corpo humano se dividia em cabeça, tronco e rodas. O automóvel era o distintivo da notoriedade social. Dava status, abria portas e conquistava corações. Por 850 dólares, era possível comprar, em 1908, um Ford modelo T. Enquanto isso, um trabalhador da fábrica da Ford de Detroit ganhava um salário de pouco mais de cinco dólares por dia. Nessa cidade nasceu a linha de montagem, copiada por todas as outras fábricas do mundo, capaz de derrubar o preço final e de produzir um carro a cada 24 segundos. A mesma linha de montagem mostrada pelo gênio Charles Chaplin no filme "Tempos Modernos". Hoje um carro possui equipamentos comandados por transistores, que se incorporaram à vida do homem do século XX. Eles estão escondidos nos equipamentos domésticos, nos aparelhos de som [...] e em diversos outros produtos. Com o transistor, tudo diminui. [...] O invento que começa a ser usado comercialmente na década de 1940 serve inicialmente para aparelhos de surdez e hoje invade shopping centers, escritórios, clubes e outros estabelecimentos. [...]

[A moda] A moda vem ao encontro dos consumistas, e os que vivem dessa atividade movimentam alguns bilhões de dólares por ano. Ela tem como templo Paris, Londres, Milão e Nova York. As grifes são outra marca do consumismo do século XX. É preciso mudar sempre a moda, para que as pessoas comprem sempre e mudem o guarda-roupa tantas vezes o seu orçamento permitir. Não importa se as roupas estão gastas ou se foram utilizadas uma única vez. É preciso mudar e comprar. Coleções de roupas são tantas que usos antigos são retomados como dernier cri. Desfiles são transformados em um espetáculo suntuoso, caro, prestigiado e erótico. Moda de inverno, verão e meia-estação. Roupa para homens, mulheres, velhos, jovens e crianças. Roupa esportiva, social, de rigor, de praia, de campo, de camping. Enfim, para cada modo de vida ou performance, uma roupa com sua grife. Muitas roupas têm costuras do lado de fora. É uma forma de dizer que o portador, pasmem, pertence a uma determinada elite ou tribo.

[Os shoppings centers] Os shopping centers são os templos do consumo  [...]. Ao lado dos megastores atraem milhões de pessoas que compram aquilo de que precisam e aquilo de que não precisam. Para muitos são os novos locais de lazer. As vitrines, os cinemas, as praças de alimentação e os espaços para espetáculos são os maiores atrativos. Os shoppings se tornam os pontos de encontro de jovens e velhos, substituindo as praças. Tudo isso é possível graças à publicidade. A propaganda toma conta dos meios de comunicação eletrônica, dos outdoors e dos grandes painéis computadorizados das avenidas, que vendem saúde, alegria, sexo e a satisfação garantida ou o dinheiro de volta… As lojas de fast-food invadem os recantos mais distantes. São construídas lanchonetes da rede McDonald’s em Moscou, Pequim ou numa favela brasileira. O novo rei é o hambúrguer, universalizado como o alimento do final do século XX. Obviamente acompanhado de uma Coca-Cola. O consumo gera montanhas de lixo, subproduto de consumo e uma dor de cabeça para as cidades. O que fazer com as embalagens de plástico, pilhas e baterias de celular? Os ecologistas lutam para que os fabricantes recebam os produtos usados. Seguindo a lógica do capitalismo do final do século XX, o custo da reciclagem vai ser repassado para o consumidor.

[Cinema] O século XX começa a mudar quando são difundidos pelo mundo cenários de aventura, prazer, romance, traição, perigo e humorismo. O estilo de vida do início do século conquista corações e mentes e determina a maneira de ser de milhões de pessoas em todo o mundo. Os ídolos ganham fãs. Os fãs põem os nomes dos ídolos nos filhos. A roupa, a música e a vida de ficção vivida na tela dos cinemas inspiram a vida das pessoas comuns. O jeito de pegar o cigarro de Humfrey Bogart em "Casablanca" passa a ser imitado por homens do mundo todo. Ao longo do século XX, o cinema dita moda e comportamento. Mesmo no final do século, quando os produtores do filme "Titanic" investem duzentos milhões de dólares para contar a história do transatlântico e faturam mais de 2 bilhões e 400 milhões, jovens imitam e se apaixonam pelo herói Leonardo Di Caprio. A indústria cinematográfica influencia decisivamente a cultura de todo o mundo.

[Estética] Os padrões globais de estética seguem a internacionalização geral. Negros mais brancos. Brancos mais negros. Orientais de olhos arredondados. Morenos de cabelos loiros e loiros de cabelos pretos. A magreza é um ideal a ser conquistado custe o que custar. Os alimentos dietéticos, ligths, sem colesterol são a chave para derrubar as gordurinhas que impedem homens e mulheres de parecerem com os modelos maravilhosos da tevê e das revistas de toda ordem. Lança-se mão de medicamentos, suplementos alimentares, ginástica e academias para se manter o padrão estético considerado belo. O corpo ganha espaço para fora das roupas, uma mistura de sensualidade e exibição dos progressos obtidos com tanto esforço físico e até mesmo fome. Uns comem demais, outros de menos. Uns querem emagrecer e fazer parte do senso estético universal; outros querem não morrer de inanição provocada pela pobreza. Abre-se espaço para as cirurgias plásticas e os tratamentos para retardar o envelhecimento. Depois de 500 anos continua a busca da fonte da juventude idealizada pelo conquistador espanhol Ponce de León.

[A vida nas cidades] A vida intensa, principalmente nas cidades, trás consigo o stress e as suas seqüelas. Muita gente se volta para o seu interior em busca da tranqüilidade da mente, perturbada pelo ritmo frenético do final do século XX. Muitos voltam-se para o Oriente. A ioga e o zen são difundidos como métodos para purificar a psique, fortalecer a concentração e expandir a consciência. Outros partem para o misticismo buscando respostas em tarô, astrologia, búzios, quiromancia, etc. para as clássicas perguntas: “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”. Isso depois de cinco milênios e meio de história.

[O rock' n' roll] Talvez ninguém lembre mais que o rock nasce no século XX, em meados da década de 1950, com o nome de rock’n’ roll. Mas os fãs de Elvis sabem. Elvis Presley muda a música do século XX gravando “That’s all right”. O movimento musical é tão importante que vira museu em pleno Picadilly Circus, em Londres, onde Elvis é a primeira atração, com suas roupas “transadas” e carrão rabo-de-peixe. Depois é só seguir a trilha e dar de cara com Bill Halley e Seus Cometas, Little Richard, Chuck Berry e tantos outros ídolos do rock. Tudo vai bem com Janis Joplin e Jimmy Hendrix e muita gente pelada em Woodstock, quando um grupo de rapazes de Liverpool grita “I wanna hold your hand”. Os Beatles universalizam o som do século, um verdadeiro big bang musical. Reeditam o estilo com o som de suas guitarras. Uma poderosa indústria nasce e cresce com os megashows em Nova York, Londres ou Moscou. O colonialismo cultural varre os continentes cavalgando os sons do rock e ninguém no planeta pode ficar imune a ele. Por onde passa, contamina a música local e se impõe por si mesmo. É o som da mudança, das atitudes revolucionárias, do inconformismo, da convivência com o sexo livre e com as drogas. Pós-Beatles cantam os Rolling Stones, Bob Dylan, Madonna e Michael Jackson. Uma sucessão de conjuntos e singers são devorados pelo consumismo e pela indústria fonográfica, que não espera um sucesso chegar ao pico de vendas para lançar outro. Uma imensidão de produtos são gerados pelo rock para uma multidão que dança, canta e consome sem saber exatamente o quê.

[Guerra Fria] O rock é a arma da Guerra Fria. O som das guitarras e baterias atravessa o Muro de Berlim, abala as convicções marxistas de alemães, tchecos, húngaros, albaneses, iugoslavos e muitos outros povos. Nada é capaz de impedir a propagação do rock. Nem mesmo os discursos soviéticos de que o gênero se tratava de um sintoma da decadência burguesa. Aos poucos os conjuntos de roqueiros são admitidos na União Soviética e na China. Ajudam a derrubar a sociedade planificada por dentro, com o apoio de sua juventude que em vez de cantar a “Internacional”, cantam “Abbey road” ou “Lucy in the sky with Diamonds”, que é mais do que uma canção, é a sigla do LSD, o ácido lisérgico. Drogas como a maconha e a cocaína se associam ao mundo do rock e muita gente, famosa ou não, morre de overdose. Entre elas, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Jim Morison. A associação sexo, drogas e rock assusta pais, professores, religiosos e Forças Armadas. O tráfico de drogas é tão intenso que em algumas regiões do mundo, como na América Latina, os militares assumem a missão de combater o narcotráfico. Mas não basta curtir o som dos ídolos do rock. É preciso carregá-los consigo. Por isso renasce com grande força o uso das tatuagens com temas do rock, principalmente entre os jovens. Outra marca desse som revolucionário em seus megashows são os piercings. Milhões de pessoas colocam brincos e pingentes nas orelhas, nariz, língua e até mesmo nos órgãos sexuais.

[Família e sexualidade] O tabu sexual vem do passado e tem sustentação religiosa. Sexo só para a reprodução. O prazer sexual abre o século XX como um pecado a ser combatido por religiosos e moralistas. Muito antes da revolução sexual dos anos 1960, o tabu é atacado por Margaret Sanger. Ela empunha a luta pelo direito de a mulher escolher se quer ou não ter filho, situação quase inevitável quando um casal mantém relações sexuais. As mulheres querem ser donas de seu próprio corpo e de decidir quando fazem sexo por prazer ou para ser mãe. Com a pílula e outros métodos anticoncepcionais, ela consegue se aproximar da liberdade sexual masculina e dá um grande passo em direção à sua libertação. Ela passa a considerar o direito ao sexo como um direito natural do ser humano, ainda que as resistências continuem no final do século XX. Já na década de 1920 as mulheres conquistam o direito do voto, atuam politicamente e passam a defender nos parlamentos salário igual ao do homem e liberdade de aborto, assunto que ainda hoje provoca polêmica, inclusive no Brasil.

[Homossexualidade] As doenças sexualmente transmissíveis são relatadas na América desde que os europeus começam a colonização nos séculos XVI e XVII. Eles trazem, por exemplo, a sífilis, responsável pela morte de milhares de índios que têm contatos sexuais com os brancos. Contudo esse tipo de doença ganha maior importância com a liberação sexual e a admissibilidade da homossexualidade. As preferências homossexuais de homens e mulheres sem qualquer orientação social dão oportunidade para o desenvolvimento da doença sexualmente transmissível mais terrível de todos os tempos: a “síndrome da imunodeficiência adquirida”, ou aids. A difusão da doença, inicialmente por promiscuidade da utilização de seringas por drogados e depois por contágio sexual, deixa a medicina diante de um novo e importante desafio: o de encontrar a cura da aids e uma vacina para impedir que a epidemia se espalhe rapidamente pelo mundo do século XX. A aids levanta questões sociais imensas. Desde a de ordem moral e religiosa como a premissa de que a doença é uma resposta da natureza contra a promiscuidade ou de Deus contra a “prática do homossexualismo”, condenado pela maioria das religiões. Homossexuais (homens e mulheres) sofrem perseguições políticas, perdem seus empregos, são apontados nas ruas como seres intoleráveis e por pouco, em pleno final do século XX, não se recria o princípio do pária social, da bruxa responsável pela Peste Negra, ou pelas péssimas colheitas… Episódios históricos que deveriam pertencer somente ao passado. Contudo há reação, sobretudo dos grupos de direitos humanos, e essas discriminações estão sendo atenuadas.

A utilização da camisinha passa a ser uma prática universal. Pais e mães perguntam aos filhos e filhas se têm camisinha no bolso. Um cuidado crucial para impedir a progressão da aids, mas de outro lado a confirmação da revolução sexual iniciada nos anos 1920, desenvolvida na década de 1950 e que chega à sua maturidade no final do século XX. Todos, escolas, igrejas, família e meios de comunicação, falam de sexo, de gravidez, de aids e de homossexualidade. É verdade que, em alguns setores da sociedade brasileira, isto é mais difícil por causa do conservadorismo histórico. Mas ninguém mais acredita em cinto de castidade ou que alguém não vá se casar com outra pessoa porque esta não é mais virgem ou então que liberdade sexual necessariamente signifique fim da família ou libertinagem total. É uma mudança difícil. Esses preconceitos e tabus são repetidos e reafirmados por séculos; por isso leva-se tempo para mudar essa situação. Contudo o século XX tem o mérito de ter conseguido mudanças extraordinárias em tão pouco tempo a ponto de ninguém mais imaginar que uma família vai jogar na rua a filha porque transou com o namorado. Ou vai?

[Aldeia global] Fica declarada a existência da aldeia global. Esta constatação é de McLuhan, estudioso da comunicação do século XX. E a aldeia fala, ouve e lê de qualquer parte do planeta. Não é mais possível um general de opereta tomar o poder em uma republiqueta qualquer do mundo, bombardear a central telefônica e fechar veículos de comunicação ou impedir a difusão de notícias. O jornalista tira do bolso o seu celular mundial, acessa o satélite diretamente, passa as notícias para a redação da mídia para qual trabalha, em qualquer país, e recebe de volta, via fax, a pauta do seu próximo trabalho. Ele também pode usar um celular com câmara acoplada e suas imagens e reportagenspoderão ser exibidas pela tevê, via satélite, para todo o planeta. Qualquer um fala de qualquer lugar para qualquer lugar. Do Saara para a Floresta Amazônica, do topo do Twin Towers, em Nova York, para o Cristo Redentor no Rio de Janeiro. A digitalização do som e da imagem possibilita sua transmissão por satélite, por telefone, por fibra óptica, ou por onda de rádio. Não há mais como não se comunicar. Não há mais isolamento. Não há mais silêncio. Se depender da tecnologia existente no século XX, a humanidade não vai "se estrumbicar" como dizia o Velho Guerreiro, Abelardo Barbosa, na célebre máxima: “Quem não se comunica se estrumbica”.

A aldeia virtual do século vê e vive a televisão. Passa a acreditar que em um mundo onde o cartão de crédito é mais importante que o passaporte, só existe o que é mostrado na televisão. Ela é o veículo que proporciona os 15 minutos de glória almejados por tanta gente de tantos lugares. É a responsável pela difusão da educação, da cultura e da banalização da violência. É cultuada e odiada por muitos. Divulga os costumes dos povos e ao mesmo tempo determina hábitos, tendências e comportamentos.

É o mais legítimo representante da comunicação do século XX. Uma experiência que começa em um estúdio de Nova York, onde são mostradas imagens de um homem que põe e tira os seus óculos. Nasce um dos meios de comunicação mais influentes de toda a história da humanidade. É mais do que o rádio com imagem. Na década de 1940 o campeonato de beisebol é transmitido pela tevê. Na década de 1950, 90% dos lares americanos possuem uma tevê. No Brasil caminha-se rapidamente para essa marca. Ela ocupa lugar de destaque nas salas, no quarto do casal e nos quartos dos filhos. Em cada cômodo, um aparelho. A tevê passa a ser um serviço, com ou sem canal a cabo, com ou sem filmes eróticos, nos hotéis, motéis, aviões, casas de repouso… Com o telefone ocorre algo semelhante. Ele se multiplica por linha física, fibra óptica ou ondas. O telefone celular é capaz de chegar a todos os pontos do mundo, invadindo calçadas e atrapalhando concertos e peças teatrais. O telefone deixa de ser um aparelho de uso doméstico e passa a fazer parte do vestuário, pendurado na cintura ou disputando espaço com as calculadoras no bolso das camisas.

A informação, que viaja na velocidade da luz, pode ir além. Um laboratório de óptica descobre que determinada onda pode viajar pelo espaço a 0,002% acima da velocidade da luz. É a onda superminal, que vai provocar uma revolução nas telecomunicações. É tão inovadora que põe em cheque a teoria da relatividade desenvolvida por Einstein. Abre para a comunicação o universo, antes mesmo do homem se apossar de uma ínfima parte dele. Estamos no limiar de uma mensagem ir e vir antes mesmo de partir.

[Medicina] A medicina do século XX se desenvolve a partir de algo infinitamente pequeno. Os microscópios, que aumentam os objetos milhões de vezes, são os instrumentos que possibilitam progressos nunca antes imaginados para recuperar a saúde dos seres humanos. Velhos tabus caem no século XX. Entre eles a possibilidade de substituir um órgão doente por outro. O impacto começa na década de 1960 com os primeiros transplantes de coração, evoluindo para outros órgãos internos, até a rotina das filas de pessoas que esperam um órgão no leito dos hospitais. Já no final deste século o tabu sofre novo impacto: um homem recebe um transplante de uma mão inteira, recupera os movimentos e diz que já sente sensibilidade nas pontas dos dedos. O próprio conceito de morte muda. As pessoas estão mortas mesmo com o coração batendo. A medicina desloca o núcleo da vida do coração para o cérebro e consegue convencer a opinião pública mundial de que a morte verdadeira é a cerebral. Este também é o século da picada. No braço. O desenvolvimento da imunologia abre amplos espaços para a criação de vacinas contra doenças graves. As vacinas são divulgadas por amplas campanhas populares em todos os continentes, a ponto de algumas doenças estarem desaparecendo; o número de vacinas aumenta cada vez mais e elas já são capazes de prevenir diversas doenças, como hepatite, difteria, poliomielite e sarampo. Mais uma revolução, agora na saúde pública.

A batalha contra a infecção começa a ser ganha antes de terminar a Segunda Guerra em 1946. Muita gente se salva da morte graças ao aparecimento dos antibióticos, desenvolvidos a partir do trabalho de Alexandre Fleming. Durante a guerra os laboratórios passam a produzir em massa esses remédios que revolucionam o combate a muitas infecções, como sífilis, tétano, gangrena, pneumonia, escarlatina, febre reumática e dor de garganta. Um sem-número de doenças não resiste a um balcão de farmácia atendido por uma pessoa de mediano conhecimento farmacológico. Mas não adianta avançar tanto no equilíbrio físico se não há equilíbrio psicológico. Quem foi mesmo que disse que mens sana in corpore sano? Sigmund Freud inverte o velho aforismo latino. Não há corpo são se a mente não estiver sã. Freud publica o livro "Interpretação dos Sonhos" em 1899. Um velho livro e uma velha pesquisa continuam novinhos em folha a ponto de nada mais de tão importante ter sido acrescentado a eles. Freud disse alto e bom som para toda a humanidade que os sonhos são as chaves do nosso subconsciente. A parte de nossa mente que contém vontades reprimidas, traumas, desejos assustadores demais para serem admitidos. Sua obra provoca polêmica ao longo de todo o século e foi parar no Índice dos livros proibidos da Igreja. Contudo o mundo jamais volta a ser o mesmo depois da publicação da obra completa de Freud.

A medicina assiste a uma longa polêmica entre os que defendem a tecnologia e os partidários da holística. Os primeiros apostam em todo o tipo de tecnologia capaz de investigar o interior do corpo à procura das doenças mais estranhas. São os operadores de raio x, tomografia computadorizada, ressonância magnética, xerorradiografia, laparoscopia e muitos tubos portadores de tevê capaz de navegar pelas veias e artérias entupidas. É a medicina dos remédios que, de tão populares, viram substantivo, como melhoral. Ou os que ganham notoriedade por acenarem com a cura de doenças como obesidade, Xenical, e impotência, Viagra. Em contrapartida, as pessoas adeptas da holística defendem a retomada da medicina natural, fitoterápica, homeopática. Dois extremos responsáveis pelo aumento da longevidade do homem do século XX e garantidores de que em poucos anos a terceira idade só vai começar aos cem anos. Obviamente isso vale apenas para quem não fuma. Portanto estão fora desse futuro os três milhões de pessoas que morrem anualmente por causa das baforadas.

[Plásticos] É praticamente impossível viver sem ele. Não há lugar onde ele não esteja. O primitivo plástico nasce em 1907 e é chamado de baquelite. Hoje é conhecido por diversos nomes. A embalagem plástica de refrigerante, por exemplo, é chamada de PET. Dada a sua versatilidade, esse tipo de plástico é utilizado na maioria das indústrias. De alimentos a aeronáutica. A produção de plástico gera um milhão e quatrocentos mil empregos e movimenta 260 bilhões de dólares. Seus derivados são milhares e ainda assim a pesquisa está longe de esgotar as possibilidades de utilização desse material do século XX. Talvez o seu mais direto perseguidor seja a borracha, responsável por outros 40 mil produtos derivados. Da camisinha ao pneu. Muitos pneus. Também é impossível viver sem aquele objeto que cabe no bolso da camisa e é capaz de fazer, entre outras coisas, cálculos com uma velocidade incrível e é conhecido como computador. O mesmo que na década de 1940 funciona com 18 mil válvulas e pesa 30 toneladas. O computador deixa o laboratório de pesquisa e hoje controla aviões, nave espacial, navios, centros cirúrgicos, bancos e o orçamento doméstico. Corremos o risco de ter que competir com a inteligência dessas máquinas, como o Deep Blue, que vence o campeão mundial de xadrez, Gasparov.

[Conquista do espaço] Ninguém mais olha o céu quando passa um avião. No início do século XX balões e mais balões flutuam sur le ciel de Paris. Nas cercanias da cidade, Santos Dumont prepara em suas oficinas, em 1906, um avião para ganhar prêmio de inventores. Três anos antes os irmãos Wright também experimentam o veículo do século. Para trás fica a Maria Fumaça, a mesma que se regenera no final do século com os Trens de Grande Velocidade, capazes de desenvolver até 515 quilômetros horários ou flutuar por repulsão magnética sem tocar nos trilhos. Estes são os trens do século XXI. Vão flutuar como imensos balões e correr como aviões a uma distância de poucos centímetros do solo. Talvez salvem as grandes cidades dos gigantescos congestionamentos de carros particulares. Os céus também estão congestionados. Neste final de século milhões de pessoas viajam todos os anos em aviões cada vez maiores com tarifas cada vez mais baixas. São os Jumbos, que podem viajar com 500 passageiros e, em breve, vão carregar até mil pessoas. Os aviões aproximam os continentes a partir da viagem de Charles Lindenberg, entre Estados Unidos e Europa, juntam povos e culturas, substituem os velhos transatlânticos e se tornam armas cada vez mais mortíferas nas guerras deste século (uma dessas guerras é retratada pelo gênio Pablo Picasso, que pinta uma tela com o nome de "Guernica"). São testados na Guerra Civil Espanhola, em 1937, quando a divisão Condor nazista, pela primeira vez, prova ser capaz de varrer uma cidade do mapa. Outras cidades também somem, bombardeadas por alemães, ingleses, russos, japoneses e americanos. Esse mesmo avião decide de forma cirúrgica a Guerra do Golfo e tem uma participação fundamental na Guerra da Iugoslávia, com seus mísseis capazes de atingir um quartel no meio de uma cidade. Um ou outro erro, como atingir um hospital ou uma escola, sempre são considerados desculpáveis do ponto de vista do atacante. Depois do avião, a mais importante invenção aeronáutica é o motor a jato. Também nascido da guerra, proporciona um avanço capaz de torná-lo o meio de transporte mais seguro do século.

O avanço tecnológico, a Guerra Fria, que ameaça a existência da humanidade mais de uma vez neste século, e a busca das glórias e da publicidade esquentam os motores da conquista do espaço. Em pleno ano 2000 ainda existem pessoas que não acreditam que o homem chegou à Lua. Nem mesmo as imagens da televisão mostrando, ao vivo, os tripulantes da nave Apollo XI caminhando no satélite natural da Terra os convence de que isso é possível. Russos, americanos, europeus, asiáticos e brasileiros se empenham para construir mais uma parte da plataforma orbital internacional, que já está girando em torno da Terra e que em breve vai receber, além de cientistas e técnicos os primeiros turistas espaciais. O século XX realiza o que foi imaginado cem anos antes pelo célebre escritor Victor Hugo.

[Biotecnologia] Um molécula determina como nós somos. Seu nome é DNA. O nome completo é ácido desoxirribonucléico. Quase um palavrão. Contudo as pesquisas abrem caminhos nunca imaginados pelos primeiros estudiosos. Onde se viu produzir animais capazes de secretar remédios no leite? Ou bananas inoculadoras de vacinas contra epidemias? Ou um pé de fumo que brilha no escuro com um gene doado por um vaga-lume? É na metade do século XX que se visualiza pela primeira vez a forma helicoidal em que se organiza o DNA. A partir daí, muitos já temem que o mundo descrito no livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, se concretize no século XXI.

Faz cem anos que a obra do monge Gregor Mendel foi redescoberta. Ele tinha divulgado uma pesquisa com as leis básicas da hereditariedade. Em suma descobre que se pode, matematicamente, prever as características que uma planta passaria para sua sucessora pelo princípio genético. A agricultura do século XX sofre uma revolução quando se prova que se podem obter sementes mais produtivas, mais resistentes a pragas e adaptadas às condições climáticas e geográficas se controladas geneticamente. Com esta técnica, apoiada pela mecanização, nunca se produziu tanto em tão pouco espaço de terra. O alimento começa a sobrar ainda que muitos morram de fome por causa da péssima distribuição das rendas mundiais. Os estudos da genética geram condições para que pseudocientistas lancem mão dessa ciência para comprovar as teorias racistas do século anterior. Para defender tais teorias, era necessário que um Estado as adotasse. O III Reich abraça a tese da pureza das raças. Hitler e sua camarilha usam e abusam das cobaias humanas para fazer experimentos genéticos e químicos em laboratórios, com presos dos campos de concentração. Josef Mengele, o Anjo da Morte, chefia parte dessas pesquisas que visam “melhorar” geneticamente as raças e impedir a reprodução daqueles que não tenham um padrão genético aceitável para os nazistas. Tudo isso se esvai por falta de comprovação científica e pela horrorosa violação aos mais ínfimos princípios dos direitos humanos.

A biotecnologia abre amplo espaço para a recuperação ecológica do planeta, seriamente comprometido pelo avanço predatório sobre a natureza mineral, animal e vegetal. A industrialização desorganizada, a busca dos mercados mundiais a qualquer preço e o desprezo pela natureza contribuem para a devastação, que é uma das características mais marcantes deste século; não é possível resgatar nenhuma atividade humana do século XX sem que se constate a depredação do meio ambiente. Este é um desafio para o próximo século, sob pena de se viver em um planeta cuja hostilidade é construída por nós mesmos. Ninguém mais vai esquecer o nascimento do primeiro mamífero clonado, Dolly, uma ovelha que passa para a história do progresso da biotecnologia. Criada em um laboratório, é originada das células mamárias de outra ovelha igual a ela. Será possível, ética ou cientificamente, clonar seres humanos? Os próximos anos vão responder. Enquanto isso as consultas médicas se iniciam com a coleta de uma pequena amostra de sangue: uma rápida análise do DNA do paciente é capaz de detectar um problema de saúde do momento ou um outro que ainda vai se manifestar. (BARBEIRO, Heródoto et alli. História geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2005.)

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