"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O que devemos ao português

Feira, Carybé

Ao português devemos as bases da nossa formação: a maneira de ser e de viver, a religião católica, as instituições (divisões administrativas, como município, comarca, Câmaras), e idioma.

A unidade do Brasil, desse imenso território formado por várias regiões tão diversas entre si, é fruto do espírito unificador da civilização portuguesa. Na Europa, Portugal foi o primeiro país que se formou geográfica e politicamente, conservando para o seu povo um só idioma. Graças ao esforço de Portugal, proibindo o uso da língua geral e impondo o uso da língua portuguesa na sua colônia na América, o Brasil passou a falar uma só língua e formou uma só nação. Essa união conseguida por Portugal, na América, não foi alcançada pela Espanha: as colônias espanholas se fragmentaram em vários países.

Os portugueses, misturando-se com facilidade aos elementos humanos da terra, bem como a elementos vindos de outras terras, permitiram a formação de um povo de aspectos raciais vários [...]. Os portugueses trouxeram consigo para o Brasil técnicas e artes, hábitos e costumes de Portugal, adaptando-os com extraordinária rapidez às condições do novo ambiente.

Muitas das velhas cidades brasileiras testemunham claramente a herança portuguesa: obedeceram pouco a traçados geométricos, as ruas formaram-se de modo irregular, sem respeitar planos, abrindo-se por vezes em largos de forma desigual.

As casas foram construídas a contento dos moradores, amoldando-se ao tipo de terreno e de paisagem.

Percorrendo as nossas cidades mais antigas encontraremos belos chafarizes, casarões com rótulas e amplos beirais, sobrados e claustros de conventos, ornamentados com azulejos coloridos, que os portugueses haviam herdado dos árabes.

No Brasil os portugueses não dispensaram as chácaras, lembrança das quintas de Portugal, onde cultivavam legumes, verduras, frutas e flores, a que estavam acostumados. Nas casas da cidade introduziram os quintais, com hortas e pomares. Valorizaram nossas frutas. Estavam habituados a um doce em pasta feito de marmelo, a marmelada, criação tipicamente portuguesa. Ainda hoje a palavra marmelada é usada em outras línguas que têm palavras diferentes para designar o marmelo. Criaram assim no Brasil a goiabada, a bananada, tão conhecidas de todos nós. A atração dos brasileiros pelos doces feitos com muitos ovos e muito açúcar é herdada do português. As nossas festas de aniversário, de batizados ou de casamentos, tipicamente brasileiras, não dispensam os "docinhos": a ameixa recheada (olho-de-sogra), os fios de ovos, os bem-casados, as queijadinhas e tantos outros mais.

Os pratos de sal vieram para o Brasil preparados com os temperos portugueses: folhas de louro, cheiros-verdes, alho, cebola, azeitonas. O cozido português enriqueceu-se no Brasil com novos ingredientes, a mandioca, a batata-doce, a banana, espiga de milho, pirão. A couve, complemento indispensável da nossa feijoada, é contribuição portuguesa, como também as sopas e as frituras, que tanto o índio como o negro desconheciam.

Não podemos esquecer que, junto com a cozinha portuguesa herdamos o gosto pela mesa farta, pela variedade de comidas, e o prazer de comer em companhia, de amigos e convidados, base da hospitalidade brasileira.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. (org.). História do Brasil: das origens à independência. São Paulo: Nacional, 1980.

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